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La Petite Souris

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fonte: giphy

Enquanto você dormia, o vento chorava. Os sussurros que ele emanava, em semitons compassados, podiam ser ouvidos a metros de distância. Era o lamento por não poder carregar mais sua doce voz naquele dia. Enquanto você dormia, a noite brilhava em tons de azul escuro. Sua imensidão escondia os espíritos travessos que espiam das estrelas, aqueles que estão sempre à procura de risadas soltas e beijos roubados. Naquela noite, as estrelas brilhavam diferente: se você fixasse o olhar bem para cima, em um ângulo de 180º, era possível encontrar as pontas soltas do céu aonde as estrelas haviam se descolado. Assim, o céu rescindia a pó de estrela descolada, um aroma metálico que lembrava o cheiro de conversas interessantes interrompidas por um olhar atravessado. Enquanto você dormia, tudo no quarto brincava de ciranda. O compasso era dado pelo abajur que acendia e apagava em 1/4 de potência. Os livros da estante trocavam de lugar, embaralhando a seção de biologia com a seção de história da moda, invertendo a manga de camisa com a manga dourada e suculenta da página seis. Shakespeare agora conversava com Jane Austen sobre a fórmula do amor, enquanto Machado registrava os comentários deles com arguta precisão. Naquela noite, o assunto não era o amor. Porventura, era, sim, a melhor estratégia de subvertê-lo em conversas afiadas e alguns tostões. Enquanto você dormia, Afrodite tomou sua decisão final. Tal qual a espuma que embalara suas primeiras horas de vida, a inconsistência de sua razão lhe proporcionava momentos de brilhantismo em certos dias. Naquele em específico, Afrodite decidira pelo amor paciente. Se Ares era o mais belo, sua beleza significava correntes em seus pés leves de dançarina marina. Nunca se veria livre de sua dualidade com o deus, porém, poderia controlar o que era a sua metade do acordo. Em seus pulsos adornados por belos pingentes de estrelas cadentes, ela segurava as rédeas de um coração que amava ternamente. Enquanto você dormia, fadas nasciam de encantos inocentes. O orvalho que surgiria pela manhã era formado pelas lágrimas de felicidade que vertiam de seus olhinhos recém-nascidos. Se a flor que fora beijada por uma delas cantava na escuridão noturna, era porque nunca na face da Terra outra flor fora tão amada em um espaço de tempo tão curto. Flores tinham vidas perenes e mais davam do que recebiam amor. Aquela flor era diferente, ela carregava em suas nervuras o beijo de uma fada recém-formada: era o beijo da Natureza em sua mais pura consciência. Enquanto você dormia, aquele que o amava se deu conta disso. Primeiro, um abismo. Um grande e profundo abismo que o convidava para um passeio pela invalidez de sua própria existência. Ele era quem era há segundos? Não, ele não era mais uno. Havia uma bifurcação em sua linha vital agora. Depois, uma certeza de que era o dono do mundo. Uma megalomania ignorada por sua perda de juízo recente. Por fim, a explosão. A explosão de sua identidade para sempre. Seu cérebro já não trabalhava mais para suprir suas necessidades particulares, ele se tornara completamente seu. Não dele, seu. Enquanto você dormia, um castelo de cartas se desfez. Uma batida repetida, um ... dois ... três ... quatro. A voz que de lá vinha era a personificação perfeita da Caixa de Pandora. Era como se você ouvisse o som de um enorme fio sendo enrolado. Um fio que compunha uma cama de gato em sua existência passada. O fio subia, descia, virava à esquerda, parava. Um nó precisava ser desfeito. Outro nó. Por baixo agora. E você podia ouvir o som do carretel enrolando, cuidadosamente enrolando, aquele fio que não era outro senão a sua apaixonada atenção. Uma flauta de Hamelin afinada na língua dos anjos. Quando a tesoura viesse para a cartada final, tudo desabaria. Enquanto você dormia, alguém teve o minuto mais feliz de sua vida. E outro alguém, o minuto mais triste. Mas, você não sabia disso, pois o tempo não passava para você. O mundo dos sonhos é atemporal, mergulhado em um poço de adrenalina letárgica que te engole até você se afogar e desejar não voltar mais à vida real. Afinal, o que é pior do que ver tudo turvo à viver uma vida turva? Enquanto você dormia, flocos de neve dançaram valsas sem violino para acompanhar. Aqueles que não tinham par, rejeitados socialmente na danceteria noturna, se aventuravam pela sua janela na tentativa de a convidar para festa. "Quem é a moça bonita que dorme com sorriso de infância de compota de jabuticaba?', se perguntavam. Vinte tentaram, mas falharam. O vigésimo primeiro surgiu com uma ideia inovadora. Transformou-se em granizo para ficar maior e mais forte, então não se sentiria mais sozinho. Tímido, convidou-a para a gélida dança do sereno. Então, você já não dormia mais.

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Bonjour, meu nome é Bruna. Sou uma ratinha de biblioteca, adoro fotografar a natureza, andar por ruas desconhecidas e escrever tudo o que me vem a cabeça. Obrigada por visitar o meu jardim. Abra seus olhos e amplie sua imaginação. Talvez você precise bastante por aqui.

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