Eu não quero mais ser poeta
Bonjour. Eu estava lendo o blog da minha amiga Jenny, quando me deparei com esse tema. Ela o desenvolveu de tal maneira que me motivou a tentar escrever sobre. Espero que gostem.
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Sentado em minha sala, diante de uma jarra semi vazia de vinho, decidi não ser mais um poeta.
A poesia me tragara para suas profundezas quando eu era um menino. Filho único, meus companheiros eram as páginas amareladas de Bukowsky e Lorde Byron, rasgadas e devoradas em pequeninos cantos pelas traças da biblioteca estadual.
A poesia me encantava. Encarava-a com olhos clínicos, como a um corpo funesto conservado para a autópsia: precisava cortar-lhe o talho impenetrável e incorporá-la em mim. Li tanto, sabia de cor os sonetos de Camões, a linguagem cômica de Bocage, a sensibilidade sisuda de Bilac, que ganhei confiança em mim e decidi ser poeta para a minha vida. Ilusão perdida. Arrependo-me. Tentarei explicar-lhe as minhas razões.
A poesia mostrou-me, enfim, seu lado sombrio. Tal como na lua, foi preciso desviar-me da incidência solar que a atingia para que eu encontrasse esse seu outro lado. Tão válido quanto o primeiro, é verdade. Porém, sua imensidão vazia encontrou meu espírito perturbado, angustiando-me.
Preferi separar-me da arte poética.
Meu corpo definhava a cada dia. Eu era magro, magro como um gato sem dono, excluído dos grupos de gatos de rua que se protegiam a si mesmos nas noites frias. Em minhas costas, as costelas eram aparentes, prontas para serem pegas por Deus na construção de Eva. A coluna formava uma trilha entre minha cabeça e meu cocs e meus olhos eram como covas desabitadas prontas para serem preenchidas por terra novamente.
Os meus pulsos possuíam calos, assim como meus dedos, resultado do atrito constante com a caneta que usava para escrever meus poemas. Porém, o que mais me caracterizava nas ruas era meu cabelo. Ele era revolto, um ninho de cachos emaranhados, desconexos, descontrolados, ensebados nas pontas perto da testa pelo constante passar de mãos. Eram os cabelos de um poeta, caracóis amassados atrás pelo travesseiro de espuma do quarto. Antes de serem os fios de um poeta, eles eram a própria poesia: ondas negras, revoltas/ engolem o barco, soltas/ a caminho de Dante.
Aquele lacre fragilizado pelo exercício poético desenfreado guardava em si uma mente explosiva. Meu cérebro era uma enciclopédia orgânica cujos neurônios eram capítulos que guardavam referências de muitos séculos. Às vezes, não conseguia arranja-las nas estrofes. Às vezes, faltava coisas para preencher os versos. Minha mente era uma bacia que so se preenchia com temas para os próximos poemas que iria produzir. Não havia espaço para amores reais: aqueles que colocava em meus trabalhos eram falsos, teatrais, odes românticas a uma Musa feita de tinta e vácuo. Não havia espaço para a metalinguagem: as teorias, eu as absorvia cegamente, sem refletir sobre elas. Não havia espaço para o espaço: era um pária, minha terra era a do ostracismo opcional, não me sentia parte de nada.
E meu coração, o último organismo afetado pela poesia, era apenas destroços. Assassinado, que bela morte! Morto pelo brado retumbante de um povo heróico composto pela sociedade dos poetas mortos. As dores daquilo que escrevia, incorporava-as; a solidão, o medo, o peso da nulidade. A frustração. A saudade. Que bela palavra, saudade. Estive perdido de mim, porque era um labirinto.
Coração inexistente, reduzido a uma mísera carne estriada com sangue dentro. A poesia me reduzira às cinzas, eu era um projeto deformado de mim mesmo com uma aura de poeta aclamado. Aclamado?
Decidi abandonar a poesia. Era ela meu veneno, meu anti herói, meu yang. Destruía-me aos poucos com a velocidade de um cavalo de raça. Abandonei-a.
Joguei fora o pouco vinho que havia a minha frente. Peguei uma garrafa de uísque, duas pedras de gelo. Decidi ser jornalista.
4 comentários
O que dizer dessa escrita tão absolutamente magnífica?! Miss Bruninha,a Srta usou uma simples ideia que veio na minha mete devaneada e conseguiu enxergar além para criar um misto de emoções que prendem o leitor do começo ao fim,ficou simplesmente incrível.
ResponderExcluirAcredito que aquela célebre frase da professora Selma se aplique também ao poeta "Cada poeta traz dentro de si mesmo o gene da sua própria destruição",por isso tentamos abrir mão da poesia, respirar sem ela, mas não conseguimos porque seja onde for a escrita nos persegue e vai continuar circundando nossa alma de poeta.
Fico muito feliz por ter te inspirado e agradeço imensamente pelo maravilhoso deleite dessas palavras.
Um beijo ^.^
Ah, miss Jenny, muito obrigada de verdade!
ExcluirApenas maravilhoso, todos os seus textos sabem prender o leitor do começo ao fim. Sempre me alegro quando você publica um texto novo. Parabéns Bru :)
ResponderExcluirEu me alegro quando você aparece por aqui também, miss Caroline. Muito obrigada :)
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