Caro Anônimo: Capítulo 2

by - junho 10, 2021


Esse conto foi baseado no projeto que a Aione, do blog Minha Vida Literária, está produzindo. Por favor, assim que terminar a ler o meu texto, vá até o cantinho dela para a prestigiar. Está bem?
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Você apareceu como risos ao vento. Infelizmente, ainda não consegui discernir se você era o Timão ou o Pumba na relação que estabelecia com aquele a quem chamava de "melhor amigo". Unha e carne, carne e unha, os dois foram se aproximando do pequeno círculo de amigos que estava desenvolvendo a duras penas e me adotaram junto com ele. Eu te digo, caro anônimo, que quando, enfim, pude chamá-lo assim também - amigo - as nuvens sólidas em que pisava com meus pés sonhadores se dissolveram em felicidade gasosa e me fizeram flutuar. Por três anos, eu flutuei ao seu lado.

As suas piadas eram ruins. Hoje em dia, sinto a liberdade de lhe falar isso. Piadas de adolescente nerd que queria parecer descolado, piadas que poderiam estar em um show de stand-up qualquer. Eu ria, todos ríamos: você ficava feliz. Era isso. Mas, eu posso te elencar muitas coisas que não eram ruins em sua personalidade, cujas quais eu observava calada, enquanto tentava disfarçadamente potencializar. A sua extroversão, por exemplo, era admirável: todos te conheciam e ninguém tinha algo ruim para falar de você. A forma como você tentava deixar os seus amigos sempre felizes também era admirável... E a sua voz - tão bela, tão articulada - ainda ecoa pela minha mente quando me lembro de você.

Caro anônimo, você se encaixou nos padrões formados pelo meu subconsciente infantil, lá na época do meu primeiro amor, à primeira vista. Porém - eureka! - você também formou novos que eu tomaria como inspiração para a construção dos meus mocinhos de romance em RPG: se o amor de Coralina se realizou em uma peça de teatro, era porque este era o meu sonho também. Talvez, eu não devesse ter mentido para você dizendo que eu jogava RPG naquela época, pois, hoje em dia eu jogo, mas eu já não tenho mais você.

Se você me perguntasse, porém, o porquê de eu ter gostado de você, - naquela época em que o que mais importava para mim eram os livros e as provas pré-vestibulares - eu te diria que foi porque você sempre representou para mim tudo aquilo que eu queria ser, ao mesmo tempo que era tudo aquilo que eu queria curar. O seu sorriso significava mais para mim, porque eu sabia que ele era mais profundo do que você queria mostrar. A sua felicidade contagiante era uma vírgula de dúvida indecorosa em meu oceano amigo.

Parando para pensar, acho que eu realmente te amei. Porque, mesmo quando surgiu, na nossa sala, um anti-herói marviano, com as suas ideias revolucionárias e seus tênis Nike, disputando a atenção do meu consciente; todas as vezes que você se aproximava de mim, eu sentia um panapaná multicolorido abrindo asas em meu estômago e um quentinho em meu coração que se espalhava em tons carmim pela minha face tímida. Essa sensação não poderia ser explicada pela lógica; bom, talvez pudesse ser com uma música do Legião Urbana... Mas, eu não tive tempo: todo o tempo do show foi roubado, com um único fôlego, por você. Como eu poderia imaginar que, enfim, você encontraria coragem para cantar Faroeste Caboclo?

Caro anônimo, não se preocupe. Você já apareceu por aqui em outros contos. Não estou te expondo demais neste, pode ter certeza. Quer ver? "O ator terminou mais um espetáculo. Acredita na frase de Shakespeare. Ou será que acredita na releitura da mesma ideia feita por Charles Chaplin? Os seus modos tragicômicos aproximam-lhe de Carlitos, parte da festa com diversos trejeitos de seus companheiros que usará nas suas próximas apresentações". Você é este ator; e a sua personalidade sempre foi uma das coisas mais intrigantes da minha adolescência. Afinal, você era o protagonista dos livros de aventura e dos filmes de super herói que eu tanto admirava ali, materializado bem na minha frente. Me chamando pelo meu nome. E eu chamava pelo seu, em tom de brincadeira, numa referência aos shows infantis da televisão brasileira de décadas atrás.

Neste dia que destaquei no conto, nós nos encontramos pela primeira vez depois de os rumos da vida adulta terem nos jogado para caminhos completamente diferentes. Era uma noite fria, era um lugar desconhecido, e nós éramos parte do passado de uma pessoa em comum. Naquela noite, nós nos tornamos iguais. Contudo, bastou um sorriso seu direcionado para mim para que as borboletas da adolescência voltassem a flutuar pelo meu estômago. Naquela noite, nós nos tornamos iguais. Porém, caro anônimo, mesmo sentindo as mesmas sensações por você - veja bem, meu coração acelerou apenas por ver você chegar! - eu tinha me tornado outra. Era a versão madura, confiante e extrovertida de mim mesma que vivia naquela noite: e você notou isso. A quantidade de sorrisos e menções que você fez naquele dia superaram as que você fez ao longo de três anos inteiros.

Ah, caro anônimo, você deveria ter acreditado quando te contaram que eu estava afim de você nos primeiros anos da nossa amizade. Eu realmente estava... E eu poderia ter te ajudado a perceber o quão incrível você era e o quanto você merecia o meu amor. Porque tudo isso era verdade. Mas, não nos desanimemos: se a nossa história não deu um livro Young Adult, ela ficaria bem em uma de suas esquetes de humor.

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