Resenha: Huckleberry Finn - Mark Twain

by - abril 23, 2019

Mark Twain é considerado um dos maiores nomes da literatura norte-americana e fonte de inspiração para outros autores consagrados, como Ernest Hemingway e William Faulkner. A obra é marcada pela inovação de Twain, e leva o leitor a um passeio pela história dos Estados Unidos da metade do século XIX, ao criar uma aventura que marcaria gerações. Huckleberry Finn é um garoto que vive às margens do rio Mississipi e para se livrar de seu pai bêbado, embarca em uma jornada em busca da liberdade, acompanhado de seu melhor amigo, Tom. A narrativa desvenda o racismo, a hipocrisia e as convenções daquela sociedade, e possui um caráter de genialidade ao fazer uso da polifonia multicultural flagrada em seus personagens. Os diferentes sotaques e a presença da chamada "cor local", transformam a obra em uma pintura da época, que continua encantando leitores de todas as idades.

Aventura// 363 páginas// Editora Martin Claret// Classificação 5/5

Livros de aventura me fazem sorrir. Esse sempre foi meu gênero literário favorito e poder voltar a lê-lo é muito especial. Há um tempinho eu não lia mais livros de aventura como antes, pois a fórmula clássica da Jornada do Herói havia me cansado um pouco. Não porque eu não a ache necessária, mas porque já tinha lido tantas adaptações dela que os livros de aventura se tornaram previsíveis para mim.

Mas, aí, surgiu As Aventuras de Huckleberry Finn e tudo mudou. Esse livro é um dos maiores clássicos de aventura do mundo e, surpreendentemente, me surpreendeu por não ser apenas a melhor maneira que encontraram de desenvolver a Jornada do Herói. Ler Huck Finn é um desejo que tinha desde que terminei de ler Tom Sawyer, lá pelos meus treze, catorze anos. Finn me encantou já nesse livro e quando soube que ele tinha um livro solo, logo me empolguei.



Demorou um pouquinho até conseguir comprar Huck Finn, mas uma promoção irresistível fez com que eu não postergasse mais esse momento. E, então, eu li a obra prima de Mark Twain e entendi os motivos de ela ser tão querida, mesmo que tenha se passado tantos anos desde sua escrita. 

O livro é narrado em primeira pessoa por Huckleberry Finn, um garoto de catorze anos que acabou de viver uma aventura junto com seu melhor amigo, Tom Sawyer, e conquistou seis mil dólares com isso. Além disso, ele passou a viver com uma senhora rica da cidade e sua irmã, pois seu pai sumiu já há algum tempo. Dado como morto, o pai dele reaparece querendo arrancar todo o dinheiro de Huck para gastar em bebida. Impossibilitado de pegar o dinheiro, então, ele decide forçar Huck a acompanhá-lo até uma ilha deserta no meio do rio Mississipi.

Sendo maltratado todos os dias por seu pai, Huck bola um plano e foge com o barco Mississipi abaixo, pensando em viver assim, conectado à Natureza e fazendo o que quisesse. Mas, de repente, um escravo fugitivo da senhora que cuidava dele surge na ilha aonde Huck atracara e, agora, o garoto precisará ajudá-lo a se manter escondido daqueles que o querem devolver por um preço alto.

As Aventuras de Huckleberry Finn é sobre muito mais do que uma simples (ou várias simples) aventura. Tudo bem, a forma como Mark Twain costura essas aventuras é linda pela genialidade. As pequenas estórias que se desenvolvem pelos capítulos são bem amarradas e fluem ao sabor do Mississipi. Todos os personagens que aparecem são construídos com começo e fim. Principalmente o Conde e o Rei, personagens que aparecem de repente para abalar a tranquilidade de Huck e Jim (o escravo que havia fugido), que se conectam tão organicamente à narrativa que passamos a nem lembrar que eles não existiam desde o começo do livro. E o fim reservado à eles também foi  tão interessante quanto o resto.

A aparição relâmpago e inventiva de um personagem foi a coisa que mais me fez feliz enquanto lia o livro. Ela me transportou para o passado e me fez nostálgica. Meus olhinhos brilharam e entendi finalmente o porquê de eu gostar tanto dele: ele é exatamente como eu! Ou melhor, ele é exatamente como todos os leitores, pois sua figura é quase que uma paródia de todos eles. Ou uma homenagem... Vai de cada um.

Mas, mesmo com toda a genialidade da aventura, As Aventuras de Huckleberry Finn é muito mais do que isso. O peso histórico que o livro tem é muito importante. O retrato fiel, já que ele foi escrito na época em que tudo aquilo acontecia, da sociedade estadunidense do século XIX nos mostra um país racista, violento e simplório. A leitura foi quase intoxicante para mim. 



A cada página, eu me deparava com uma situação que me deixava mal por dentro. Ora era a violência com que Huck era tratado pelo pai, ora eram as frases tão cheias de racismo, direcionadas na maior parte ao Jim, que me deixavam nauseada com a leitura. Acho que a melhor comparação que farei para essa leitura é a de que ela foi como uma sardinha para mim. Tão deliciosa quando quente, mas, à medida em que a empolgação com a aventura esfriava, os espinhos do peixe perfuravam a minha garganta e me engasgavam. 

Depois dessa comparação culinária, tudo o que posso dizer é que esse livro é difícil, mas necessário. Necessário para que não repitamos mais esse tipo de comportamento irracional e maldoso que é o racismo. Necessário para que não esqueçamos dessa parte terrível da História das Américas. Necessário para que entendamos que, ao passo que Finn achasse que ele estava sendo mau por ajudar Jim, na verdade, ele era o único ali que conseguia (de formas tortas, podemos dizer) enxergá-lo como um ser humano digno de direitos também. 

Mas, também, Huck Finn é necessário se você quer voltar a se empolgar com uma aventura. Embarcar em uma jornada rio adentro, com picaretas, piratas e conflitos de sangue, foi uma das melhores coisas que me aconteceram em abril. E o final é tão impactante quanto todo o resto.

Au revoir.

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