Registros antecipados de uma noite passada

by - abril 22, 2017


Uma médica, uma psicóloga, dois engenheiros, um ator, uma historiadora e vários, vários programadores. Com eles, uma jornalista. Encontram-se na estação de metrô para comemorar o aniversário, antecipadamente, da garota pequena que os uniu.

A jornalista está com receio de conhecer tantas pessoas diferentes. Um dia antes, ela escreveu sobre vestibular. Dois dias antes, ela fez um trabalho de maiêutica. Um mês antes, ela estava descobrindo a faculdade. Um ano antes, ela estava triste por seu primeiro fracasso. Dois anos antes, ela estava no fim de um ciclo.

Os amigos de sua amiga sorriem para ela e perguntam-lhe o nome. Ela responde. "Olá", disseram, "Prazer em conhecer".

Sim, a jornalista pensa, realmente fico contente por conhecer tantas pessoas. Rever os múltiplos profissionais. Conhecer os inúmeros programadores. A sua profissão lhe exigirá ouvir o próximo, dar voz a ele, conhecer novos lugares, conhecer novas visões de mundo. Conhecer o mundo. A jornalista se enche de coragem, respira, transpira, inspira, suspira. Coragem.

A noite passa. Conversas, piadas, diálogos cruzados com linhas tortuosas, as quais sempre passam por todas as cadeiras habitadas em uma mesa de lanchonete. O conhecimento superficial, as impressões de alguém, as salpicadas de debates polêmicos que todos os jovens gostam de discutir e se acham plenamente entendedores de seus truncados pontos. O desvio na estrada insuflada pelo gigante rubro rumo a um caminho neutro, flicts.

As barrigas cheias. O início do cansaço. "Que horas você vai embora?", "Quanto tempo leva para chegar até em casa?", "Quer ir comigo?".

Despedidas.

A médica parte com sua impressão de que os corpos são frágeis para tanta comida gordurosa e por tanta bebida corruptora de neurônios que foi ingeridos nas horas passadas. Quantos pacientes terá quando seus companheiros de festa completarem os fatídicos 50 anos?

A psicóloga parte com os perfis subjetivos dos que compartilharam com ela uma noite festiva. Separa em sua mente aqueles para quem trocará mensagens nos outros dias, afim de auxiliá-los a terem mais autoestima, mais amor próprio. Classifica as pessoas em patologias sentimentais. Psicopatas, depressivos, arrogantes, indiferentes... Será que são assim?

Os engenheiros partem trocando informações. Não são sistemáticos por completo, não. Pensam em estruturas ideais que se encaixam com as personalidades presentes.

O ator terminou mais um espetáculo. Acredita na frase de Shakespeare. Ou será que acredita na releitura da mesma ideia feita por Charles Chaplin? Os seus modos tragicômicos aproximam-lhe de Carlitos, parte da festa com diversos trejeitos de seus companheiros que usará nas suas próximas apresentações.


A historiadora entristece-se por sua condição de avaliar o passado e não o presente, nem o futuro. Adoraria registrar intensamente os pontos altos de seu encontro com os amigos. Suplica por viver muito tempo e, assim, tornar-se testemunha viva dos hábitos juvenis do século XXI.

Os programadores, dentre eles a aniversariante, pegam as necessidades últimas dos seus amigos para facilitar-lhes a vida por meio de sistemas binários. O um e o zero são-lhes essenciais. Mas, as pessoas são mais do que dois números, são permutações complexas do sistema decimal do Ocidente predominante. Partem com a promessa de se verem na segunda-feira.

Sobra a jornalista. Enquanto vê seus amigos e mais novos colegas indo embora, eufóricos, contentes, cansados, mudados por uma nova experiência, ela registra tudo o que ocorreu naquela noite de sábado. Suas ações são factuais. Não terão valia em um futuro distante. Porém, mesmo assim, ela registra aquele momento único e que não mais voltará da mesma forma que viveu naquelas horas.

Vai embora.

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6 comentários

  1. Que história maravilhosa. Já me ganhou pela curiosidade do título e as pessoas respondendo por suas respetivas profissões. Adorei ler, obrigada por escrever!

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    1. Obrigada por comentar, miss Laura! Eu dei uma olhada no seu blog e ele também possui textos muito bons!
      Eu adoro fazer títulos e esse me deixou bastante orgulhosa assim que o reli.
      Beijos açucarados, desejo que você sempre visite o meu jardim.

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  2. Ahh Bruninha,já falei que você me inspira?!
    Ótimo relato,sei como é bom quando juntamos os amigos para uma tarde ou noite de conversas, mas eu me sinto como você, essa necessidade de rememorar e registrar esses momentos, acho que é mesmo essa áurea jornalística falando :D
    Beijos ^.^

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    1. Haha, sim, miss Jenny, o jornalismo rondando as nossas atitudes.
      Obrigada pelo comentário, fico muito contente por inspira-la, já que os seus textos são maravilhosos.
      Beijos açucarados.

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  3. Adorei o texto moça! Gostei muito da forma como você tornou um evento público em algo muito íntimo e pessoal, quase introspectivo para cada um dos personagens que você introduziu na narrativa. Também achei incrível como você desenrolou as personalidades deles de acordo com as suas profissões, o que molda TOTALMENTE nosso caráter.

    Abraços!

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    1. Olá, miss Lu! Obrigada por visitar o meu jardim, espero revê-la sempre passeando por aqui.
      Fico contente por você ter gostado do meu texto, eu não sei por que, mas os meus textos sempre culminam em algo mais intimista.
      Beijos açucarados.

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