advento, n.1

by - dezembro 04, 2022

O meu Calendário do Advento me pediu, então aqui estou: este é o primeiro conto de Natal de 2022 que vocês lerão aqui no blog. Eu desejo de coração que vocês gostem... E, também, que me indiquem novos temas para as outras histórias que aqui se escreverão. Um bom início de dezembro para vocês, querido(a)s amis! :) ------------------------------------------- Era a primeira noite com neve do ano. Pela janela, podia ver o asfalto sendo coberto por uma grossa manta alva, o contraste com o grafite surrado remetia a sabão e roupa suja. Pequenos flocos de neve caíam do céu arroxeado e tudo se esfriava, respirações congelavam, sorrisos de crianças apareciam encantadas com a certeza de que o Natal finalmente havia chegado. Elas teriam sido boas ao longo do ano? Ganhariam doces multicoloridos ou pedaços de carvão nas meias penduradas no alto da lareira? Inspirada por suas alegrias inocentes, não tive como sorrir também. Distraída, vi meu reflexo na janela do restaurante. Mamãe tinha razão: eu ficava muito melhor quando sorria... Apesar das rugas que surgiam, infames, em minhas bochechas; o sorriso trazia uma luz delicada ao meu olhar, sempre tão duro e inconstante. Um desabafo dos meus ansiosos pensamentos, milhares de pensamentos, a toda hora, por cada coisa, em todo lugar. Como agora: você viria? Por que ainda não estava aqui? Se acontecera alguma coisa, por que ainda não havia me ligado? Quando chegaria? Havia desistido de mim? A verdade era que olhava para fora do restaurante a sua procura e não por causa da neve. Besteirol sentimental, esse Natal! Espiava ansiosamente a entrada do restaurante, os ouvidos abertos para todo e qualquer som de sinos que uma abertura de porta anunciasse. Revirava o celular nas mãos, apertando-o levemente. Foi quando o barulho de talheres caindo na mesa ao lado desviou a minha atenção do mundo interior conturbado a sua espera. Olhei para a origem do som: um garotinho de seus seis, sete anos, havia derrubado a colher que usava para tomar uma sopa de queijo. Estava com os pais: o primeiro, repreendia-o com o olhar, preocupado com a perscrutação alheia de suas vidas; o segundo, envergava-se por debaixo da mesa na tentativa de o auxiliar. Discretamente, tentei olhar para baixo para ver se a ajuda era bem-sucedida. De relance, vi o homem piscar marotamente para o filho, fazendo uma careta engraçada e apontando para cima, indicando  a ele para não se abalar tanto com a cara feia que encontraria. Foi a segunda vez que sorri naquela noite, envolvida com a atmosfera familiar dos meus vizinhos de mesa. Mesmo em meio ao caos de sentimentos que me circundavam. Então, eles voltaram a jantar. E eu decidi escanear o ambiente em que me encontrava. Era um restaurante italiano. Um restaurante italiano decorado para as festividades de fim de ano: festões de um verde profundo eram os cachecóis aconchegantes das pilastras de pedra rústica; guirlandas enfeitadas com fitas vermelhas substituíam os quadros de cantores de ópera famosos; pisca-piscas foram colocados estrategicamente para parecerem vagalumes descansando no meio do salão; um frondoso pinheiro majestosamente atraía os olhares daqueles forasteiros que entravam no restaurante e logo davam de cara com ele. Os funcionários usavam aventais e domas com detalhes natalinos: bordados em verde e vermelho, maquiagens com tons de dourado e muito, muito glitter para todos os lados. Em vez das tradicionais músicas italianas, os alto-falantes gritavam versões pop de Jingle Bells. O cheiro de canela e assados poderiam ter sido pulverizados no ar de tão presentes. Mas, o que não estava presente nessa atmosfera inebriantemente encantadora - e enjoativa - era você. Já se passava meia hora do nosso horário combinado. Pergunto-me quanto tempo você me esperaria se estivéssemos em posições invertidas: dez minutos? Duas horas? Estava sendo exigente demais? Estava negligenciando a mim mesma? O garçom bonitinho me olhou aflito. Estaria ele preocupado comigo? Mostrava a sua piedade por uma mulher bem-vestida, que tomava a sua terceira dose de vinho, enquanto tragava com os olhos o estacionamento? Queria o meu número de telefone? Ou queria que eu pedisse algo substancial para que pudesse garantir a sua gorjeta natalina? 20h45. A família na mesa ao lado se levantou para ir embora. O menininho passou a manga do suéter listrado pela boca melecada de mousse de chocolate. Não pude conter um suspiro. Senti a minha garganta queimar, controlando as lágrimas que lhe subiam torrencialmente. Pobre barreira de contenção... Inutilmente, se esforçou. Porém, não conseguiu evitar que as lágrimas irrompessem por meus olhos vazios que já não mantinham o brilho esperançoso de antes. Não queria estragar a maquiagem que reproduzi tão fielmente às inspirações do Pinterest que salvara por tantos dias. Estraguei. A minha mão se pintou de vermelho, preto, dourado... Não queria amassar o vestido que comprara apenas para aquele dia, o decote quadrado, o tule era uma rede de strass diminutos. Amassei, amassei com as minhas mãos nervosas que torciam o tecido em espirais. E, principalmente, não queria pensar mal de você. Pensei; vislumbrei você chorando, encolhido, enquanto eu lhe dizia impropérios vulgares, jurando não te amar, jurando que te abandonaria, jurando que você não estava à altura da mulher que eu era. O garçom bonitinho percebeu minha consternação e discretamente veio até a mim. Perguntou se eu estava bem, se eu queria que ele me emprestasse seu telefone para ligar para alguém. Olhando em seus olhos azuis, recusei. Ele disse que buscaria uma água com açúcar e desapareceu na movimentação marítima de bandejas e pessoas. Derrotada e envergonhada, decidi me afundar na visão da janela; assim, se eu não olhasse para ninguém ao redor, a minha mente sentiria que eu era invisível, transparente. A rua já estava completamente coberta pela neve fofa. Os transeuntes não se arriscavam mais a perambular sem rumo. O poste de luz, imperativo, esparramava uma luz alaranjada por tudo, palco para os efeméridos flocos de neve que dançavam no palco vazio entre o céu e o chão. Foi quando, repentinamente, Deus Ex Machina, você surgiu. Levantei-me tão rapidamente que não vi o garçom se aproximar e derrubei toda a água que me trazia em seu avental verde Grinch. Deixei na mesa o meu celular, a minha bolsa, a meia taça de vinho espanhol, a minha dignidade. Abri a porta com força, tropecei nos degraus, procurei estabilidade na chuva congelada. Do outro lado da calçada, você sorria, segurando algo atrás das costas. O cachecol azul tremulava ao redor do pescoço. Me disse algo, não entendi. Era o seu pedido de desculpas? Segurou o meu rosto suavemente, enrolou a minha franja na ponta dos dedos, tudo o que eu podia sentir era o cheiro amadeirado de seu perfume sazonal. Então, segurou algo em cima da minha cabeça: era um ramo de visco. Olhei para você, intrigada. Você sorriu novamente, curioso, com... Medo? Sim, detectava a minha velha companheira também em seu olhar: a ansiedade abraçava-lhe, sussurrando dúvidas em seus ouvidos sempre tão destemidos, sempre tão companheiros. Quando olhei para o movimento em sua mão direita, notei que ela também tremia levemente enquanto segurava um objeto circular. Em meio à neve, às portas do Natal, você me pediu em casamento. E eu aceitei.

Você também pode gostar de

0 comentários