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La Petite Souris

 


As luzes azuis piscam em ritmo ordenado/Através da janela, a chuva morna cai/Formando uma mistura inebriante de marcantes aromas/Churrasco, vento quente e chão molhado//As luzes azuis suspendem o movimento caótico/Porém, não está suspensa a agitação que coordena a casa/Por entre carregadores de celular, petit fours de aliche e barulhos de televisão;/Perfumes enjoativos se encontram no ar, uma guerra sazonal costumeira//E, de repente, as luzes azuis se apagam/A escuridão, porém, é logo cortada por uma luz única vinda do teto/Batom vermelho, cabelos por trás da orelha, correntinhas no pescoço/O clique abafado das chaves girando na fechadura//A luz amarela do corredor se acende ao suave movimento do sensor/Uma última checada para garantir que o gás está fechado/Sorrisos nervosos, saltos batendo no chão/Álcool em gel na mão depois de acionar o elevador para o sétimo andar do prédio//Pinheiro falso, renas de plástico, "cuidado para não escorregar"/Estacionamento vazio, barulhos de fogos de artifício sendo estourados ao longe/O rádio do carro sintonizando música pop anos 2000, Mariah/Uma parada antes do destino final//Um resumo da Véspera de Natal.

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O meu Calendário do Advento me pediu, então aqui estou: este é o primeiro conto de Natal de 2022 que vocês lerão aqui no blog. Eu desejo de coração que vocês gostem... E, também, que me indiquem novos temas para as outras histórias que aqui se escreverão. Um bom início de dezembro para vocês, querido(a)s amis! :) ------------------------------------------- Era a primeira noite com neve do ano. Pela janela, podia ver o asfalto sendo coberto por uma grossa manta alva, o contraste com o grafite surrado remetia a sabão e roupa suja. Pequenos flocos de neve caíam do céu arroxeado e tudo se esfriava, respirações congelavam, sorrisos de crianças apareciam encantadas com a certeza de que o Natal finalmente havia chegado. Elas teriam sido boas ao longo do ano? Ganhariam doces multicoloridos ou pedaços de carvão nas meias penduradas no alto da lareira? Inspirada por suas alegrias inocentes, não tive como sorrir também. Distraída, vi meu reflexo na janela do restaurante. Mamãe tinha razão: eu ficava muito melhor quando sorria... Apesar das rugas que surgiam, infames, em minhas bochechas; o sorriso trazia uma luz delicada ao meu olhar, sempre tão duro e inconstante. Um desabafo dos meus ansiosos pensamentos, milhares de pensamentos, a toda hora, por cada coisa, em todo lugar. Como agora: você viria? Por que ainda não estava aqui? Se acontecera alguma coisa, por que ainda não havia me ligado? Quando chegaria? Havia desistido de mim? A verdade era que olhava para fora do restaurante a sua procura e não por causa da neve. Besteirol sentimental, esse Natal! Espiava ansiosamente a entrada do restaurante, os ouvidos abertos para todo e qualquer som de sinos que uma abertura de porta anunciasse. Revirava o celular nas mãos, apertando-o levemente. Foi quando o barulho de talheres caindo na mesa ao lado desviou a minha atenção do mundo interior conturbado a sua espera. Olhei para a origem do som: um garotinho de seus seis, sete anos, havia derrubado a colher que usava para tomar uma sopa de queijo. Estava com os pais: o primeiro, repreendia-o com o olhar, preocupado com a perscrutação alheia de suas vidas; o segundo, envergava-se por debaixo da mesa na tentativa de o auxiliar. Discretamente, tentei olhar para baixo para ver se a ajuda era bem-sucedida. De relance, vi o homem piscar marotamente para o filho, fazendo uma careta engraçada e apontando para cima, indicando  a ele para não se abalar tanto com a cara feia que encontraria. Foi a segunda vez que sorri naquela noite, envolvida com a atmosfera familiar dos meus vizinhos de mesa. Mesmo em meio ao caos de sentimentos que me circundavam. Então, eles voltaram a jantar. E eu decidi escanear o ambiente em que me encontrava. Era um restaurante italiano. Um restaurante italiano decorado para as festividades de fim de ano: festões de um verde profundo eram os cachecóis aconchegantes das pilastras de pedra rústica; guirlandas enfeitadas com fitas vermelhas substituíam os quadros de cantores de ópera famosos; pisca-piscas foram colocados estrategicamente para parecerem vagalumes descansando no meio do salão; um frondoso pinheiro majestosamente atraía os olhares daqueles forasteiros que entravam no restaurante e logo davam de cara com ele. Os funcionários usavam aventais e domas com detalhes natalinos: bordados em verde e vermelho, maquiagens com tons de dourado e muito, muito glitter para todos os lados. Em vez das tradicionais músicas italianas, os alto-falantes gritavam versões pop de Jingle Bells. O cheiro de canela e assados poderiam ter sido pulverizados no ar de tão presentes. Mas, o que não estava presente nessa atmosfera inebriantemente encantadora - e enjoativa - era você. Já se passava meia hora do nosso horário combinado. Pergunto-me quanto tempo você me esperaria se estivéssemos em posições invertidas: dez minutos? Duas horas? Estava sendo exigente demais? Estava negligenciando a mim mesma? O garçom bonitinho me olhou aflito. Estaria ele preocupado comigo? Mostrava a sua piedade por uma mulher bem-vestida, que tomava a sua terceira dose de vinho, enquanto tragava com os olhos o estacionamento? Queria o meu número de telefone? Ou queria que eu pedisse algo substancial para que pudesse garantir a sua gorjeta natalina? 20h45. A família na mesa ao lado se levantou para ir embora. O menininho passou a manga do suéter listrado pela boca melecada de mousse de chocolate. Não pude conter um suspiro. Senti a minha garganta queimar, controlando as lágrimas que lhe subiam torrencialmente. Pobre barreira de contenção... Inutilmente, se esforçou. Porém, não conseguiu evitar que as lágrimas irrompessem por meus olhos vazios que já não mantinham o brilho esperançoso de antes. Não queria estragar a maquiagem que reproduzi tão fielmente às inspirações do Pinterest que salvara por tantos dias. Estraguei. A minha mão se pintou de vermelho, preto, dourado... Não queria amassar o vestido que comprara apenas para aquele dia, o decote quadrado, o tule era uma rede de strass diminutos. Amassei, amassei com as minhas mãos nervosas que torciam o tecido em espirais. E, principalmente, não queria pensar mal de você. Pensei; vislumbrei você chorando, encolhido, enquanto eu lhe dizia impropérios vulgares, jurando não te amar, jurando que te abandonaria, jurando que você não estava à altura da mulher que eu era. O garçom bonitinho percebeu minha consternação e discretamente veio até a mim. Perguntou se eu estava bem, se eu queria que ele me emprestasse seu telefone para ligar para alguém. Olhando em seus olhos azuis, recusei. Ele disse que buscaria uma água com açúcar e desapareceu na movimentação marítima de bandejas e pessoas. Derrotada e envergonhada, decidi me afundar na visão da janela; assim, se eu não olhasse para ninguém ao redor, a minha mente sentiria que eu era invisível, transparente. A rua já estava completamente coberta pela neve fofa. Os transeuntes não se arriscavam mais a perambular sem rumo. O poste de luz, imperativo, esparramava uma luz alaranjada por tudo, palco para os efeméridos flocos de neve que dançavam no palco vazio entre o céu e o chão. Foi quando, repentinamente, Deus Ex Machina, você surgiu. Levantei-me tão rapidamente que não vi o garçom se aproximar e derrubei toda a água que me trazia em seu avental verde Grinch. Deixei na mesa o meu celular, a minha bolsa, a meia taça de vinho espanhol, a minha dignidade. Abri a porta com força, tropecei nos degraus, procurei estabilidade na chuva congelada. Do outro lado da calçada, você sorria, segurando algo atrás das costas. O cachecol azul tremulava ao redor do pescoço. Me disse algo, não entendi. Era o seu pedido de desculpas? Segurou o meu rosto suavemente, enrolou a minha franja na ponta dos dedos, tudo o que eu podia sentir era o cheiro amadeirado de seu perfume sazonal. Então, segurou algo em cima da minha cabeça: era um ramo de visco. Olhei para você, intrigada. Você sorriu novamente, curioso, com... Medo? Sim, detectava a minha velha companheira também em seu olhar: a ansiedade abraçava-lhe, sussurrando dúvidas em seus ouvidos sempre tão destemidos, sempre tão companheiros. Quando olhei para o movimento em sua mão direita, notei que ela também tremia levemente enquanto segurava um objeto circular. Em meio à neve, às portas do Natal, você me pediu em casamento. E eu aceitei.
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uma noite fria às 4h40 da manhã. dois jovens caminham pela rua. ela, de fones de ouvido, sorri pela segurança que sente ao crescer junto a ele. ele, vacilante, carrega a ansiedade urgente no peito de um coração que se trancafia contra a vontade. amigos de infância, dezenove anos. ela não sabe o que é amar com furor, verdadeiramente... ele não sabe o que é amar honestamente, sem freio... eles se olham e a neve congela no espaço de uma respiração acelerada. uma balada de amor não correspondido. --------------------- * este pequeno (e singelo) poema foi escrito com base no k-drama "Soundtrack #1", disponível no Starplus.

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O som de cascos derrapando pode ser ouvido a um raio de cem metros. A noite estava escura, como se estivesse à espreita predadora de algo, silenciosa. O chão de cascalhos soltos não lhe dava a estabilidade ideal para um passeio à cavalo mas, mesmo assim, Jorge escolheu sair um pouco de casa a fim de tomar um ar fresco naquela noite abafada de verão. Insetos rondavam-lhe as pernas desnudas, zanzando em volta das orelhas de seu companheiro de anos, amigo de infância, montaria puro-sangue. Na estrada vazia, o interior de São Paulo lhe sussurrava acordes naturais assustadores. Os grilos faziam a festa costumeira por entre as moitas de mato queimado nas pontas, os sapos coaxavam na lagoa a noroeste. Sozinho e calorento, Jorge seguiu pela trilha que não lhe era tão amiga.

A cada passada que seu cavalo dava, triturando as pedrinhas, espantando seres rastejantes que saíam de suas tocas; o aventureiro inspirava o ar moroso e rememorava os acontecimentos do dia. Anya havia chegado da capital, após uma viagem de intercâmbio ao exterior. Estava cheia de maneirismos estrangeiros, a sua mãe dizia; pintara as pontas do cabelo de azul royal, espremia os olhinhos castanhos quando tentava se lembrar de uma palavra em português para uma correspondente em inglês (mesmo que tivesse ficado por apenas três meses no Canadá e seu conhecimento na língua ainda fosse mediano), soltava piadas que ninguém entendia à mesa de jantar. E o pior de tudo, esbravejava sua mãe com os dentes cerrados: pegara a mania de gente metida de não comer nada que viesse de origem animal! Que traição à família, Anya!

Jorge sorriu. Lembrar da irmã caçula com a caçarola de salada nas mãos, entuxando vegetais aos montes na boca, quando lembrava ainda de sua cara de desconfiança, pequenina, ao ser apresentada ao brócolis, fazia-o sorrir. Anya e Jorge eram inseparáveis, afinal, ele era apenas um ano mais velho que ela e, morando tão longe de tudo, sua irmã era a única outra criança disponível diariamente para ele brincar junto. Mesmo agora, adultos, e mesmo depois do tempo em que ela passou no estrangeiro, Jorge e Anya cultivavam a ligação fraterna que possuíam desde sempre. Era por isso que Jorge matutava ansiosamente em como contaria a ela que iria se casar em breve; o pedido de que ela fosse a sua madrinha teria que ser mais do que especial.

Imerso em pensamentos, Jorge não sentiu quando seu cavalo escorregou mais uma vez. Ambos andavam já há mais ou menos uma hora, mas o jovem sentia que o tempo estava se esticando como elástico de pontaria. A lua cheia dava sinais de um deslocamento sutil no firmamento e o ar esfriava um pouco, ainda que o calor fosse um personagem em si daquela trajetória. A monotonia daquela escapadela só foi quebrada quando, ao longe, Jorge avistou uma casa. Destacada em um vale, a casa ostentava uma varanda minúscula, como que uma pérola incrustada em uma concha negra, iluminada por uma lâmpada alaranjada. Entre o cavaleiro e a casa não haviam muros ou cercas, apenas um jardim de dentes-de-leão.
 
De uma forma estranha, a varanda atraía Jorge. Ela lhe parecia familiar, ainda que a sua cabeça latejasse ao tentar se lembrar do porquê. Como se estivesse hipnotizado, ele guiou o cavalo para perto da casa, ignorando a invasão que fazia de uma propriedade alheia. Como às pedras da estrada, os dentes-de-leão eram esmagados um a um pelo peso de ambos. Aproximando-se, Jorge podia ver que a varanda não estava vazia de todo: duas cadeiras compunham a decoração, pesadas em madeira de lei, o estofamento era bordado em tons de vermelho. O chão, também de madeira, parecia ter sido lustrado pelos moradores e refletia a luz elétrica, dando a tudo um ar de melancolia em chamas.

E, então, Jorge puxou as rédeas do cavalo e parou ao pé da escada de dois degraus que levava à varanda. Sentia um gosto amargo na boca, já seca de tanto zanzar pela estrada poeirenta. Passou a mão pelos cabelos aloirados, afastando os fios que estavam colados à testa. Cansado, o cavalo bufou. Jorge entendeu o recado do amigo e desmontou, mas as pernas bambeavam e a aterrisagem não foi muito elegante: Jorge tropeçou e caiu, cortando as palmas das mãos no chão desregular. Inquieto, logo se ajeitou, após alguns impropérios nada ortodoxos proferidos aos vigilantes invisíveis da madrugada. Mais de perto, ele percebeu que dezenas de siriris minúsculos valsavam em volta da lâmpada incandescente.

Entorpecido, o jovem decidiu subir os dois lances que o separavam de seu tesouro precioso. Achou familiar quando, com seu peso, o segundo degrau rangeu, revelando algumas farpas assustadoras. Ainda assim, podia sentir o coração esmurrando-lhe o peito, as mãos pegajosas e os pelos da nuca se eriçando. De repente, ele deu uma gargalhada: como se tornara um protagonista de clichê barato de filme de terror em tão pouco tempo? "Calma, Jorge, se controla". Mais uma passada de mãos pelos cabelos, um tique nervoso que tinha desde criança. Já dentro da varanda, ele começou a procurar pelo interruptor. De algum lugar, uma voz lhe dizia que ele deveria apagar aquela lâmpada. Girava em torno de si mesmo, tateando nas colunas de concreto por uma saliência que lhe desse o prazer de ver aquela varanda obscurecida, iluminada apenas pela lua.

Nada. Nas paredes, nada havia. Jorge piscava mais vezes do que o normal. O cabelo, já estava com um aspecto gorduroso, lambido para trás. Uma coruja piou, empoleirada na árvore retorcida à sudoeste de onde estava. Foi, então, que ele lembrou: a casa poderia ser antiga, portanto, deveria haver outra forma de ligar aquela maldita luz alaranjada. Expirando fortemente para expulsar o desconforto que a situação lhe causava, Jorge olhou para cima e viu, pendendo languidamente à esquerda da lâmpada, uma corda.

Seus olhos se iluminaram. Não sabia o porquê de querer a apagar, só queria. Na verdade, precisava. Precisava apagar a lâmpada. Com os passos mais firmes, caminhou em direção à corda. Ao tocá-la, uma dor aguda atingiu a base de sua coluna. Jorge se ajoelhou, consumido por uma dor que nunca havia sentido antes. Do lado de fora, seu cavalo, incomodado com os gritos desesperados do amigo, relinchava. Depois de longos segundos, eternos segundos, a dor passou tão inesperada quanto surgiu. O rosto belo de Jorge estava agora transfigurado pelo ódio: desligaria aquela lâmpada nem que demorasse a noite inteira! Ele se levantou e caminhou, vacilante, até a corda marrom que balançava pendular. 

"Jorge"... 

Alguém o chamava? Ouvira bem? Envolveu a corda com a mão direita.

"Jay" ...

Seus olhos se arregalaram. Este não era um apelido comum, apenas a sua noiva o chamava assim. Estaria ele imaginando coisas, após o lapso de dor que sentira há pouco? Não, as vozes se amontoavam, chamando-lhe aos sussurros das mais diversas maneiras agora. Ele podia ouvi-las nitidamente, tão insistentes, tão angustiantes... O tom aumentou, já eram gritos. Gritos que rondavam a sua cabeça como os siriris que rondavam a lâmpada. Jorge batia em seus ouvidos, tentando silenciá-los. E, então, ele percebeu que eles vinham da lâmpada. Desesperado, puxou a corda várias vezes, tão forte que ela se soltou em suas mãos.

A varanda, no entanto, permaneceu acesa. Jorge ofegava, suando, enrolado sobre si mesmo. Os chamados já não o incomodavam mais, haviam cessado. Mas, a lâmpada continuava a brilhar e ele, agora, podia ouvir o chiado monótono da eletricidade que emanava dela. "O que eu estou fazendo?". O que ele estava fazendo? Tentando destruir uma lâmpada solitária no meio do interior paulista? Qual era o propósito daquilo tudo? Jorge tentou se levantar, no entanto, sentia um peso estranho em seu braço direito. Ao olhar para ele, notou que havia inchado um tanto e apresentava uma estranha coloração arroxeada, esverdeada. Olhou para trás. Seu cavalo permanecia rígido em seu posto, tenso pela situação que não lhe era habitual.

E, então, Jorge sentiu uma pressão gelada na nuca. Uma mão o convidava a se virar novamente. Em direção à lâmpada. O jovem só não havia desmaiado ainda, pois a adrenalina o mantinha eletrizado. Ele só queria dar um fim àquilo, ir para casa, deitar em sua cama quente e acordar, no outro dia, disposto a ser uma pessoa melhor do que já fora. Mas, sabia - sem saber o por quê - que tudo só teria fim quando apagasse aquela maldita, estúpida, teimosa lâmpada! Jorge decidiu que deveria desrosquear e dar um fim físico à luz nojenta que saía de lá, rastejante. A mão invisível o guiava, gentil, ao seu propósito. Jorge voltou a rir descontroladamente. Chorava enquanto ria. Tremia enquanto chorava.

Sem se importar com o calor insuportável que emanava do bulbo da lâmpada, ele a pegou com a mão esquerda, mesmo que ela não fosse a sua mão costumeira de trabalho. Girou alguns milímetros e, então, a dor insuportável nas costas voltou. Mordendo os lábios até que gotas de sangue lhe pintassem os dentes alvos, Jorge não desistiu. Lentamente, girou mais um pouco. Sentia a lâmpada amolecer entre seus dedos, porém sentia muito mais. De repente, o seu ombro esquerdo explodiu em estrelas doloridas. Assustado, o jovem relanceou o olhar por ele e viu que a sua carne se abria, expondo seus ossos.

Jorge gritava. O seu cavalo forçava a corda que o prendia à árvore em que o seu dono o havia amarrado. Quase sem forças, o jovem usou um último esforço hercúleo para tirar a lâmpada de vez do bocal improvisado. Ela, então, se soltou e atingiu o chão no mesmo momento em que Jorge o fez.

A pequena varanda era iluminada pela luz da lua cheia. No ar, viajava apenas o barulho ressonante da natureza. No entanto, o ouvinte mais atento poderia se ligar no som de duas respirações fracas. Uma vinha do lado de fora, a outra, de dentro da varanda. Uma deu sinais de seu último momento, embalada pela pureza própria aos animais fiéis, a outra, resistia teimosa. Teimoso, Jorge olhava para cima, para a escuridão que tanto custara a ter de volta. A perna direita era uma massa indistinta de carne e ossos triturados. Triturados como o cascalho, triturados como os dentes-de-leão do jardim. Resfolegava, sentindo o gosto metálico do sangue que lhe invadia a garganta. Com os olhos marejados, olhou para cima.

O teto da varanda, que também era feito de madeira, guardava teias de aranha que brilhavam com a luz da lua. Jorge as contou, enquanto se lembrava de sua família. Uma... Seus pais, pessoas simples, mas que sempre amaram seus filhos de forma justa e correta. Duas... Anya, sua querida irmã, sorrindo para ele sempre que zeravam o vídeo-game enquanto comiam salgadinho barato. Três... Carmela, sua noiva, linda em cachos vermelhos, desafiando-o para trilhas arriscadas na praia. 

Quatro...

... e a mente de Jorge já não estava mais na varanda. Lembrava-se da sensação do chão de terra embaixo de si, das unhas sujas e das estrelas, um manto divino acima dele. Lembrava-se de seu cavalo, do amigo que jazia ao seu lado com o pescoço torcido em um ângulo anormal, enquanto que uma poça de sangue tingia de vermelho escuro as pétalas amassadas. Jorge se lembrava do escorregão, da queda... A dor insuportável reverberando em seus ossos expostos...

E quando tudo parecia estar perdido, surgira o caminho até ali. A lâmpada atraente, o ar que insuflava seu peito, antes em pó. Se tudo havia acontecido de verdade, porque ele estava ali? Se tudo aconteceu, por que ele morria novamente? Jorge, então, olhou para os cacos de vidro que jaziam ao redor de si... Enquanto tudo escurecia, ele ouviu alguém lhe chamar pelo nome.

...

- Três reais e quarenta e nove.

...

- Quer sua via?

- Não precisa, obrigada.

- Obrigado e volte sempre.

...

- Cheguei, mãe!

- Anya, que bom. Conseguiu achar a lâmpada?

- Sim, depois te dou o troco...

- Não precisa ver isso agora. Vai lá entregar ela pro seu pai. Ele já tá esperando na varanda.

- Pai!!

- Tô aqui, querida. Vem que já estou com o esquema pronto pra deixar essa lâmpada fixa agora. Não sei como ela quebrou da última vez...

- Deve ter sido um bicho, sei lá... Ou um idiota fazendo gracinha, enquanto a gente tava viajando...

- ... mas agora, não vai quebrar mais! Vem, dá aqui...

...

- Pronto!

- Deu certo, querido?

- Hum.

- Já faz mais de um ano que ele... Vocês realmente acham que isso vai funcionar? Que ele vai voltar por causa dessa lâmpada estúpida?

- Anya!

- Não, querida... Anya, filha, se seu irmão está perdido por aí..! Se ele está perdido..! Vai conseguir achar o caminho de volta para casa. Temos que acreditar!

...
...

- A lâmpada é a única garantia que temos de que seu irmão voltará para casa são e salvo. Vivo..!

- Mas, e a última que já se quebrou... Isso significa que..?

- Anya, por favor...

- Mas, se quebrou! Se quebrou e meu irmão não voltou!

- Por isso que estamos a substituindo... Desde que a varanda permaneça acesa, teremos uma chance de seu irmão voltar.

...

A lenda da varanda iluminada é conhecida, até hoje, por aquelas bandas. É dito que se você passar em frente ao vale, poderá notar uma casa iluminada incrustada na escuridão. E se prestar bem atenção, no silêncio das noites de verão, junto com o coaxar dos sapos, ouvirá a estática da lâmpada sussurrando um único nome.
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"Carlos acordou e fritou um ovo..." A cozinha vazia o incomodava. Pés descalços, o chão frio corroborava para a sensação de desolação que os ladrilhos manchados de gordura lhe causavam na espinha. Em seu desespero para achar o interruptor, seus olhos bateram no relógio digital que descansava no batente da pia: 03:00. Um barulho vergonhoso reverberou em seu estômago. Ele estava com fome, o que poderia fazer? Não era dado a lanches noturnos, mas algo no canto platônico da coruja o convidara a se levantar naquele dia. Rolou pela cama, desvirou o travesseiro, estralou os dedos dos pés... nada. Bebeu água. Coçou a cabeça. Nada. Tentou até mesmo contar carneirinhos, mas nada, nada, nada. O estômago o incomodava, tal qual aquela cozinha maldita, herança de família, semi-tombada, com seus azulejos brancos de hospital e móveis de segunda mão. E, agora, lá estava ele com medo dos fantasmas da madrugada, tateando desesperadamente a parede para encontrar o interruptor. Quando a luz se fez, a sensação de vazio ainda permanecia nele. A fome tornou-se mais insistente e passara a cavucar o espacinho molenga que existia no encontro da cabeça com seu pescoço. Ele, então, decidiu que era a hora. Deu três passos para frente, à iminência de trombar com a mesa de ferro retorcido. Cinco passos para o lado, em direção ao relógio que tiquetaqueava acompanhado da foto de perfil de cantores sertanejos. Mais quatro passos para a frente e lá estava: a geladeira. Abriu. Mas, que raios de luzinha amarela que só liga quando a porta da geladeira está aberta? Ou será que ela dormia, escondida, em plena incandescência, atrás da porta fechada? Pegou o ovo. Com a outra mão, agachou-se para pegar o azeite. Botou ambos na pia. Bocejou. Se estava cansado? Deveras. Mas, como poderia estar outra coisa senão em pânico naquele momento? Sentia o coração marchar dentro do peito. O ar começou a rarear. Precisava fazer logo aqueles ovos mexidos. Ligou o fogão. As cascas que se partiram não eram simétricas. O cheiro de gordura o inebriou de pronto. Alguns minutos e a cozinha não lhe parecia tão assustadora mais. O ovo tinha sabor de recreio e correria. Mas, o que isso importava? Passou pela pia e jogou o prato vazio. Amanhã o lavaria junto com a louça do café da manhã. Sem o ovo, a sensação incômoda retornara a seu peito. Amanhã, não comeria ovos no café da manhã. Quando chegou ao interruptor, sentiu os pelos da nuca se eriçarem... Antes de cair com um baque carmim no chão encerado, olhou para a pia. A louça permaneceria suja. O ar continuaria a rescindir a gemas e claras. ------------ Gregório Duvivier me convidou a criar... Esta é a minha versão de "O ovo". Se quiserem ler as versões que ele criou utilizando as vozes narrativas de autores consagrados, acessem: https://m.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2013/11/1372847-o-ovo.shtml
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 Amava a lua solitária / que aparecia no céu escuro de verão./Embaixo da tenda de lona barata,/ouvindo o chiado de uma remota transmissão,/olhava o céu e imaginava que as estrelas eram cardumes/e o céu, tão denso quanto o profundo oceano./Não sabia sobre o espaço e nem sobre os outros planetas/e os satélites; estes, sim, tão pavorosos quanto os navios naufragados./Também não sabia que as estrelas que ele via nunca poderiam ser como peixes,/talvez como iguanas, pinguins e humanos, talvez;/pois esses não têm guelras e se afogam na selva líquida/e as estrelas, como Inês, no vácuo espacial também são rainhas mortas./Mas, do céu noturno, que raios queria aprender?/Conhecimento é para ambientes fechados, o céu, queria apenas contemplar./Amava a deusa virginal e guerreira por entre vinhos e poesia/numa noite de domingo.
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 Ele só sabia amar em borboletas  Leve, divertido e vaidoso era o seu olhar  Tal como frágeis asas,  Ruflava as amostras de paixão a que ele a presenteava.  Ele só sabia amar em borboletas  E as prendia em seu jardim de inverno como lembrete  De que se apegar é um sinal de fraqueza  Mas, cultivar um pequeno séquito, é do poder, a certeza.  As asas que levava tatuadas em seu pescoço  Germinavam em panapanás no estômago dela  E ela sabia que aquele não era um amor seguro,  E, entre mármores e argila, chorava  Por um coração dilacerado por asas tão finas  E um futuro seguro construído na infância,  despedaçado.  Mas, ela decidiu sair do casulo  Brincar de borboleta, mesmo tendo asas rígidas pela insegurança.  Rodeou o homem-borboleta para perdoá-lo  Ele, amadurecido pelo amor que tinha por ela, perdera suas asas  E voltara a ser lagarta, comum e natural, como punição.  Quando a nova borboleta o perdoou, ele caiu em lágrimas,  Lágrimas salgadas que, antes, misturara com um sorriso doce  Não esperava ganhar, após inúmeras derrotas  Ganhou, chorou.  Ela decidiu amá-lo.  Ou melhor, ela aprendeu a se amar.  Queria viver um romance intenso como a brevidade  E perdurar a alegria eternamente, enquanto durasse.  E os dois fecharam o relacionamento  Com o selo da confiança de que ele, instável,  Não criaria mais nenhum outro inseto.

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A água que vinha do teto batia ruidosamente no chão. Lá se formava um espelho d'água meio bolorento, o limo verde crescia por entre as tábuas de madeira carcomidas pelo tempo. Em um ribombar aquoso, a goteira passava por entre as vigas que compunham a estrutura do segundo andar da casa. Deste ambiente outrora luminoso e feliz, sobrara apenas um palanque de madeira - tão carcomido e cheio de fiapos quanto o chão de baixo - e algumas peças de roupa que haviam servido de banquete às traças, logo na primeira semana de abandono da casa. Se o leitor a tivesse conhecido antes, quando, em seu auge de casa principal da rua, o barulho de festa e felicidade saía de seus poros; ele veria o quão bela era a porta da entrada principal, pintada de verde musgo, em contraste com o branco alcalino das paredes. Ele veria, também, o esmero dos donos em cultivar pequenas jardineiras nos parapeitos das janelas; e veria, com um sorriso bobo no rosto, que a casa era um tanto pequenina se comparada à imensa árvore que semiobstruía a entrada da garagem. Mas, agora, a casa era apenas um borrão triste de sua própria primavera. Abandonada à própria sorte, os degraus, que levavam o visitante até a porta da frente, haviam se desfeito em cupins gordos. Teias de aranha interligavam as paredes internas da sala, tobogãs sinistros de Viúva. A cozinha já não exalava mais aromas de biscoitos de mel e limão; tudo o que se poderia sentir era o cheiro rançoso de baratas sendo devoradas por formigas insensíveis. E os quartos, três no andar de cima mais um banheiro, tiveram seu curto reinado arruinado por ratos magrelos de pelo de algodão. Quão satisfatório era quando eles guardavam sonhos e choros em suas quatro paredes... Os sonhos de promoção no trabalho da mãe. Os choros de filmes comoventes do pai. Os sonhos e choros das duas irmãs, unidas pelo nascimento na mesma data, desunidas por o lugar de atriz principal no teatro da escola. Na casa inteira, eram os quartos que mais sentiam saudade de quando o céu não era cinza. Tão tristes eles se sentiam que, nas noites estreladas, eles choravam baixinho e a casa rangia, estalava e permitia que o vento frio entrasse em seus aposentos com o som de vultos espectrais. Mas, ó, o que seria isso? Uma forma estranha passara correndo pelo corredor! Eram sons de passos que se ouvia? Os cacos de vidro - sobras dos espelhos dourados que ali enfeitavam - que estavam espalhados pelo chão, porém, não sentiam o peso de alguém os quebrando. E o que dizer do bruxulear que vinha da sala? A casa sentia que estava viva novamente! Podia sentir o aroma de lavanda do perfume que a sua dona usava... E ouvir um som. Vozes distorcidas conversando na sala. O diálogo complexo de seres imateriais.
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Cinza chumbo, o firmamento sangra em cores transparentes. O ar espalha aromas de gordura e cominho. Unhas tingidas de vermelho, conversas vazias de baby boomers, ansiedade trabalhando em 120 km/h. É sexta-feira, o dia da deusa-mãe Frigga. Por entre linhas coloridas, ele espreita. É dia primeiro e ele já espreita... Voraz, sadio, nostálgico, sorrateiro; com quantas páginas, neste ano, ele será feito? Espreitando, em tom baixo, sussurrado, está o medo. Chegou outubro. E ela sabe das suas inspirações de escrita: o primeiro ocupante da cadeira 36. - - - - - - bem-vindo, outubro. vamos a mais um mês de terror no blog? neste ano, eu preciso da ajuda de vocês! vocês poderiam compartilhar comigo um tema para que eu desenvolva um conto de terror? eu vou adorar ler as sugestões de vocês! beijos.
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O tamborilar monótono da máquina de escrever soava como tiros sendo disparados. Um parágrafo, um novo carregamento. À frente dela, estava uma alma perturbada por amores não correspondidos e uma traição. Não havia entregado o líder, mas o melhor amigo. Morto com um tiro - quem mais conseguiria, por suicídio - entre formações rochosas distantes. E o escritor furioso da máquina incansável por ela aguardava. Sentado, digitando um romance póstumo, em seu rosto brilhava o dourado do relógio de bolso que descansava na mesa. Relógio que também não era dele, mas do amigo morto. Assim como o coração dela. Se o ritmo da datilografia se confundia com o pulsar em suas veias, os passos que ela dava eram as notas erradas naquela composição. E se as notas erradas, em uma música, geram aflição; aqui, nessa cena carregada por tensões, não seria diferente. O escritor já não podia mais ser indiferente. Parou de digitar. Os ouvidos apurados por entre conversas de bar e revoluções, pela última vez, ouviu o 'clanque-clanque' da arma sendo engatilhada. E, então, seus olhares se encontraram como o rio e o mar. As mãos dela tremiam, denunciando os sentimentos que seus olhos argutos tentavam disfarçar. Gentil, o escritor direcionou-a para fazer aquilo que ela precisava fazer. No ar, pairava um amor não correspondido, uma traição e a presença etérea do homem que os ligava. A mão dela já não tremia mais. O que se ouviu foi um disparo... Ou seriam as palavras finais do romance que ele vinha escrevendo? Na sala escura, as cortinas beges deixavam escapar alguns raios de sol que iluminavam a cena. Em um canto, uma mulher chorava por seu coração dilacerado. E o sangue escorria como cachoeira por entre os declives das teclas douradas de uma máquina chamada Chicago Typewriter.

- Conto inspirado no kdrama "Chicago Typewriter", produzido pela tvN em 2017.
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Chicago Typewriter é um dorama que estava há séculos na minha lista. Mas, sempre o deixava de lado com as desculpas mais diversas: "primeiro, vou assistir a esse dorama novo"; "olha, um dorama com meu ator preferido aí, vou assistir"; "esse pôster parece meio estranho, vou deixar para depois"... E, assim, Chicago ia ficando para trás nos antros mais profundos da Netflix. Até que, em uma noite em que estava de bobeira no TikTok, um vídeo surgiu anunciando uma revolução na minha vida de dorameira: o vídeo dizia que Chigago Typewriter ficaria disponível na Netflix até o dia 30 de setembro só! Não deu outra... Aquela era a chance perfeita para eu desencantar esse dorama!

E acabou que, duas semanas e muito coração quentinho depois, Chicago Typewriter se tornou o meu dorama favorito de todos os tempos. Se na minha lista ainda existem os doramas canônicos intocáveis, Chicago chegou para ocupar a posição mais nobre depois deles. Se eu pudesse classificá-lo, diria que ele é o dorama que poderia assistir várias e várias vezes sem enjoar (o que é muita coisa para mim, já que não tenho o costume de rever ou reler coisas); ele é o dorama que recomendaria para qualquer um, desde os dorameiros mais antigos até as pessoas que nunca viram um dorama na vida; ele é o dorama que faz com que borboletas douradas voem pelo meu estômago só pela introdução. Portanto, Chicago é o meu dorama favorito até agora, mais de trinta doramas depois.


Depois de tantos elogios, vamos a um pouquinho da estória desse dorama? Não farei exatamente a resenha crítica dele hoje, mas se vocês quiserem que eu comece a falar mais sobre doramas por aqui, é só deixar um alô nos comentários e prometo que volto para dar minhas opiniões mais aprofundadas sobre Chicago também. Vai lá depois de terminar aqui, estarei esperando por vocês, hihi! Ok, concentração agora. Chicago Typewriter é um dorama de fantasia que alterna duas estórias em sua narrativa. A primeira é a história de Han Se-Joo, um escritor de romances policiais super famoso na atualidade, um pouco excêntrico e muito arrogante, que um dia viaja até Chicago e fica encantado por uma máquina de escrever antiga chamada, justamente, Chicago Typewriter. Ele, então, volta para a Coreia do Sul e após eventos misteriosos que acontecem com a tal máquina de escrever, ela é enviada como presente para a sua casa. Quem faz a entrega é a nossa mocinha, Jeon Seol, que trabalha como faz-tudo e se auto-intitula como a fã número 1 de Se-Joo. À partir daí, a vida deles se cruza por eventos do presente e do passado que revelam um amor trágico, uma amizade indestrutível e a luta por ideais de liberdade.

Assim, a gente passa para a segunda estória, que se passa justamente nesse passado que eles compartilham com um terceiro elemento, que não vou revelar por aqui para não dar spoilers, hehe. Eu gosto muito das duas partes desse dorama, mas os flashbacks que eles têm da vida passada me encantam demais. O cenário é dos anos 30, um momento histórico bastante importante e difícil da história da Coreia, pois é o momento em que o território está ocupado em colonização pelo Japão. Os nossos protagonistas fazem parte de uma Aliança Juvenil contra essa ocupação japonesa, então, podemos entender melhor sobre os esforços do povo coreano por sua liberdade e de como isso impactava no cotidiano comum das pessoas da época.


Chicago Typewriter é um dorama muito emocionante. Se você gosta de História, recomendo demais, já que história asiática é um tópico bastante distante das agendas de educação aqui no Brasil. E se você, assim como eu, gosta de romances trágicos... Bem, vou parar por aqui, hihi. Mas, se vocês quiserem saber em mais detalhes o que achei do dorama, deixa nos comentários que prometo voltar! E você, já assistiu a Chicago Typewriter? Gostou do conto que fiz inspirado nele? Um beijo e au revoir, pessoal!
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Esse conto foi baseado no projeto que a Aione, do blog Minha Vida Literária, está produzindo. Por favor, assim que terminar a ler o meu texto, vá até o cantinho dela para a prestigiar. Está bem?
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Você apareceu como risos ao vento. Infelizmente, ainda não consegui discernir se você era o Timão ou o Pumba na relação que estabelecia com aquele a quem chamava de "melhor amigo". Unha e carne, carne e unha, os dois foram se aproximando do pequeno círculo de amigos que estava desenvolvendo a duras penas e me adotaram junto com ele. Eu te digo, caro anônimo, que quando, enfim, pude chamá-lo assim também - amigo - as nuvens sólidas em que pisava com meus pés sonhadores se dissolveram em felicidade gasosa e me fizeram flutuar. Por três anos, eu flutuei ao seu lado.

As suas piadas eram ruins. Hoje em dia, sinto a liberdade de lhe falar isso. Piadas de adolescente nerd que queria parecer descolado, piadas que poderiam estar em um show de stand-up qualquer. Eu ria, todos ríamos: você ficava feliz. Era isso. Mas, eu posso te elencar muitas coisas que não eram ruins em sua personalidade, cujas quais eu observava calada, enquanto tentava disfarçadamente potencializar. A sua extroversão, por exemplo, era admirável: todos te conheciam e ninguém tinha algo ruim para falar de você. A forma como você tentava deixar os seus amigos sempre felizes também era admirável... E a sua voz - tão bela, tão articulada - ainda ecoa pela minha mente quando me lembro de você.

Caro anônimo, você se encaixou nos padrões formados pelo meu subconsciente infantil, lá na época do meu primeiro amor, à primeira vista. Porém - eureka! - você também formou novos que eu tomaria como inspiração para a construção dos meus mocinhos de romance em RPG: se o amor de Coralina se realizou em uma peça de teatro, era porque este era o meu sonho também. Talvez, eu não devesse ter mentido para você dizendo que eu jogava RPG naquela época, pois, hoje em dia eu jogo, mas eu já não tenho mais você.

Se você me perguntasse, porém, o porquê de eu ter gostado de você, - naquela época em que o que mais importava para mim eram os livros e as provas pré-vestibulares - eu te diria que foi porque você sempre representou para mim tudo aquilo que eu queria ser, ao mesmo tempo que era tudo aquilo que eu queria curar. O seu sorriso significava mais para mim, porque eu sabia que ele era mais profundo do que você queria mostrar. A sua felicidade contagiante era uma vírgula de dúvida indecorosa em meu oceano amigo.

Parando para pensar, acho que eu realmente te amei. Porque, mesmo quando surgiu, na nossa sala, um anti-herói marviano, com as suas ideias revolucionárias e seus tênis Nike, disputando a atenção do meu consciente; todas as vezes que você se aproximava de mim, eu sentia um panapaná multicolorido abrindo asas em meu estômago e um quentinho em meu coração que se espalhava em tons carmim pela minha face tímida. Essa sensação não poderia ser explicada pela lógica; bom, talvez pudesse ser com uma música do Legião Urbana... Mas, eu não tive tempo: todo o tempo do show foi roubado, com um único fôlego, por você. Como eu poderia imaginar que, enfim, você encontraria coragem para cantar Faroeste Caboclo?

Caro anônimo, não se preocupe. Você já apareceu por aqui em outros contos. Não estou te expondo demais neste, pode ter certeza. Quer ver? "O ator terminou mais um espetáculo. Acredita na frase de Shakespeare. Ou será que acredita na releitura da mesma ideia feita por Charles Chaplin? Os seus modos tragicômicos aproximam-lhe de Carlitos, parte da festa com diversos trejeitos de seus companheiros que usará nas suas próximas apresentações". Você é este ator; e a sua personalidade sempre foi uma das coisas mais intrigantes da minha adolescência. Afinal, você era o protagonista dos livros de aventura e dos filmes de super herói que eu tanto admirava ali, materializado bem na minha frente. Me chamando pelo meu nome. E eu chamava pelo seu, em tom de brincadeira, numa referência aos shows infantis da televisão brasileira de décadas atrás.

Neste dia que destaquei no conto, nós nos encontramos pela primeira vez depois de os rumos da vida adulta terem nos jogado para caminhos completamente diferentes. Era uma noite fria, era um lugar desconhecido, e nós éramos parte do passado de uma pessoa em comum. Naquela noite, nós nos tornamos iguais. Contudo, bastou um sorriso seu direcionado para mim para que as borboletas da adolescência voltassem a flutuar pelo meu estômago. Naquela noite, nós nos tornamos iguais. Porém, caro anônimo, mesmo sentindo as mesmas sensações por você - veja bem, meu coração acelerou apenas por ver você chegar! - eu tinha me tornado outra. Era a versão madura, confiante e extrovertida de mim mesma que vivia naquela noite: e você notou isso. A quantidade de sorrisos e menções que você fez naquele dia superaram as que você fez ao longo de três anos inteiros.

Ah, caro anônimo, você deveria ter acreditado quando te contaram que eu estava afim de você nos primeiros anos da nossa amizade. Eu realmente estava... E eu poderia ter te ajudado a perceber o quão incrível você era e o quanto você merecia o meu amor. Porque tudo isso era verdade. Mas, não nos desanimemos: se a nossa história não deu um livro Young Adult, ela ficaria bem em uma de suas esquetes de humor.
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A água refletia em tons de vermelho. Ao longe, o rádio de um estabelecimento qualquer ampliava uma voz melodiosa que bradava o outono. "Cause after all he's just a man..." As luzes acesas da rua eram amareladas, assim como o sorriso que ela lançava para o restaurante do qual saía. Um homem a olhava de dentro com um misto de felicidade contida e ciúme doentio. Ele acenou para ela, clamando para que o esperasse só por um minuto. O ar rescindia a terra molhada e castanhas caramelizadas. Os pés dela, envoltos por uma bota cor de musgo, começaram a ficar encharcados pela água de chuva que se acumulava, em poças luminosas, pela calçada. Se alguém a olhasse naquele momento, talvez, ficaria em dúvida se o que escorria pelo seu rosto pálido era a água que caía do céu ou a que saía de seus olhos. Um casal passou ao seu lado dando risadinhas. O sino de entrada do restaurante tiniu. O homem a segurou pelo pulso. Ela olhou para cima, seus olhos tristes refletindo a súplica vazia que ele fazia a ela. O homem elevou o tom de voz, tons roucos de fragilidade que ela não compreendia mais. Porém, ele não largava o seu pulso. Três vezes o semáforo da avenida permitiu a passagem de pedestres. O rádio já tocava outra coisa, uma balada que a lembrava dos filmes de John Hughes que costumava assistir com a melhor amiga. Ela tentava se concentrar no que o cantor falava para se desconectar do pedido que o rapaz fazia: voltar o namoro dos dois não era uma opção. Relembrando a cena, ela não conseguiria dizer quando tudo se transformou. Em um momento, ela sentia seu braço queimar de dor e os ouvidos estalarem por causa dos gritos que o homem dava, o rosto ficar quente pelos olhares ansiosos que sentia virem de alguns transeuntes. Em outro, ela era abraçada de forma carinhosa por alguém que cheirava a café, tinta-nanquim e felicidade. Sem saber como reagir, ela olhou para cima. Lá estava ele, seu sorriso espaçoso que fazia com que seus olhos virassem apenas dois riscos, abraçando-a como se ela fosse o objeto mais precioso do mundo. As suas lágrimas angustiadas, aos poucos, viravam lágrimas de alívio. De repente, ela sentiu que algo a cobria. Ele segurava um guarda-chuva vermelho com a mão livre. Enquanto seguia com ele pela rua movimentada, à espera que o semáforo ficasse verde para que pudessem seguir, ela ouviu as últimas palavras da canção que morria a soluços lentos no rádio. "Please don't forget who's taking you home/ And in whose arms you're gonna be/ Please darling, save the last dance for me". - Conto inspirado no kdrama Something in the Rain, disponível na Netflix

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fonte: giphy

Enquanto você dormia, o vento chorava. Os sussurros que ele emanava, em semitons compassados, podiam ser ouvidos a metros de distância. Era o lamento por não poder carregar mais sua doce voz naquele dia. Enquanto você dormia, a noite brilhava em tons de azul escuro. Sua imensidão escondia os espíritos travessos que espiam das estrelas, aqueles que estão sempre à procura de risadas soltas e beijos roubados. Naquela noite, as estrelas brilhavam diferente: se você fixasse o olhar bem para cima, em um ângulo de 180º, era possível encontrar as pontas soltas do céu aonde as estrelas haviam se descolado. Assim, o céu rescindia a pó de estrela descolada, um aroma metálico que lembrava o cheiro de conversas interessantes interrompidas por um olhar atravessado. Enquanto você dormia, tudo no quarto brincava de ciranda. O compasso era dado pelo abajur que acendia e apagava em 1/4 de potência. Os livros da estante trocavam de lugar, embaralhando a seção de biologia com a seção de história da moda, invertendo a manga de camisa com a manga dourada e suculenta da página seis. Shakespeare agora conversava com Jane Austen sobre a fórmula do amor, enquanto Machado registrava os comentários deles com arguta precisão. Naquela noite, o assunto não era o amor. Porventura, era, sim, a melhor estratégia de subvertê-lo em conversas afiadas e alguns tostões. Enquanto você dormia, Afrodite tomou sua decisão final. Tal qual a espuma que embalara suas primeiras horas de vida, a inconsistência de sua razão lhe proporcionava momentos de brilhantismo em certos dias. Naquele em específico, Afrodite decidira pelo amor paciente. Se Ares era o mais belo, sua beleza significava correntes em seus pés leves de dançarina marina. Nunca se veria livre de sua dualidade com o deus, porém, poderia controlar o que era a sua metade do acordo. Em seus pulsos adornados por belos pingentes de estrelas cadentes, ela segurava as rédeas de um coração que amava ternamente. Enquanto você dormia, fadas nasciam de encantos inocentes. O orvalho que surgiria pela manhã era formado pelas lágrimas de felicidade que vertiam de seus olhinhos recém-nascidos. Se a flor que fora beijada por uma delas cantava na escuridão noturna, era porque nunca na face da Terra outra flor fora tão amada em um espaço de tempo tão curto. Flores tinham vidas perenes e mais davam do que recebiam amor. Aquela flor era diferente, ela carregava em suas nervuras o beijo de uma fada recém-formada: era o beijo da Natureza em sua mais pura consciência. Enquanto você dormia, aquele que o amava se deu conta disso. Primeiro, um abismo. Um grande e profundo abismo que o convidava para um passeio pela invalidez de sua própria existência. Ele era quem era há segundos? Não, ele não era mais uno. Havia uma bifurcação em sua linha vital agora. Depois, uma certeza de que era o dono do mundo. Uma megalomania ignorada por sua perda de juízo recente. Por fim, a explosão. A explosão de sua identidade para sempre. Seu cérebro já não trabalhava mais para suprir suas necessidades particulares, ele se tornara completamente seu. Não dele, seu. Enquanto você dormia, um castelo de cartas se desfez. Uma batida repetida, um ... dois ... três ... quatro. A voz que de lá vinha era a personificação perfeita da Caixa de Pandora. Era como se você ouvisse o som de um enorme fio sendo enrolado. Um fio que compunha uma cama de gato em sua existência passada. O fio subia, descia, virava à esquerda, parava. Um nó precisava ser desfeito. Outro nó. Por baixo agora. E você podia ouvir o som do carretel enrolando, cuidadosamente enrolando, aquele fio que não era outro senão a sua apaixonada atenção. Uma flauta de Hamelin afinada na língua dos anjos. Quando a tesoura viesse para a cartada final, tudo desabaria. Enquanto você dormia, alguém teve o minuto mais feliz de sua vida. E outro alguém, o minuto mais triste. Mas, você não sabia disso, pois o tempo não passava para você. O mundo dos sonhos é atemporal, mergulhado em um poço de adrenalina letárgica que te engole até você se afogar e desejar não voltar mais à vida real. Afinal, o que é pior do que ver tudo turvo à viver uma vida turva? Enquanto você dormia, flocos de neve dançaram valsas sem violino para acompanhar. Aqueles que não tinham par, rejeitados socialmente na danceteria noturna, se aventuravam pela sua janela na tentativa de a convidar para festa. "Quem é a moça bonita que dorme com sorriso de infância de compota de jabuticaba?', se perguntavam. Vinte tentaram, mas falharam. O vigésimo primeiro surgiu com uma ideia inovadora. Transformou-se em granizo para ficar maior e mais forte, então não se sentiria mais sozinho. Tímido, convidou-a para a gélida dança do sereno. Então, você já não dormia mais.

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Ilustração: Pinterest


O sorriso dele continha mil primaveras.

Era como se ela pudesse ouvir Bem-Te-Vis chilreando, em harmonia com as asas de borboletas etéreas em busca de néctar, apenas ao olhar para o rosto dele naquele momento. Enquanto as bochechas se abriam, como cortinas de um teatro, para mostrar as trinta e duas pérolas brilhantes que compunham seu sorriso; seus olhos se arqueavam em uma espremidela aconchegante.

Se o sorriso dele fosse uma cor, talvez as mais fluidas cores do Arco-Íris não fossem capazes de o definir por completo. Como a Primavera, o sorriso dele era uma lufada de vida.

E como definir a vida em meros reflexos do Sol?

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Esse conto foi baseado no projeto que a Aione, do blog Minha Vida Literária, está produzindo. Por favor, assim que terminar a ler o meu texto, vá até o cantinho dela para a prestigiar. Está bem?
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Eu te amei quando não sabia o que era amor. 

Meus cabelos se encaracolavam na nuca e se enchiam nas pontas, dando a forma de um mini cogumelo para a minha pequena cabeça. Tudo em mim me escondia do mundo: o cabelo volumoso, os óculos de aro verde que me faziam parecer parte de um conjunto da Bossa Nova; o livro (não me lembro qual, mas talvez fosse Romeu e Julieta) que era folheado a cada segundo; a timidez, um muro intransponível que, olhando hoje, nunca me levaria até você.

Mas, e você? Lembro-me que caminhava ao lado de Don Juan com um sorriso despreocupado no rosto. A fama não precisava atingi-lo, muito menos o coração daquelas que dividiam consigo a sala de aula. Aliás, nem mesmo qualquer outro tipo de fama o atingia naquela época: diferente de mim, sempre requerida nos dias de prova, você podia desfrutar da anonimidade de um aluno mediano. Não que isso seja um defeito. Para mim, naquela época, era uma qualidade que eu nunca viria a saborear.

Eu lembro do seu sorriso. Até hoje, esse é o meu tipo de sorriso favorito (confesso que só pensei nisso agora. Acho que os psicólogos estão certos quando dizem que a infância marca muito a nossa construção de mundo): um blending perfeito de graça pueril e marotagem, quase sarcástica. Você sorria assim quando a cavalaria de Juan fazia um comentário qualquer durante a aula. E sorria assim para ela, a que nunca te veria como você queria que o visse naquele tempo. Porém, não posso ser injusta. Você também sorriu assim para mim uma única vez... A vez do bombom.

Como eu disse mais acima, eu te amei quando não sabia o que era amor. E, portanto, não era proficiente na arte de amar. Eu queria que você soubesse o que eu sentia, é claro. Mas, a menina que habita em mim era incapaz de escolher as palavras certas para compor uma frase coerente que te dissesse: eu gosto de você. Não sei se você sabe, mas as palavras são entidades com vida própria e independem de nós, humildes seres humanos, para viverem. Decerto, elas encontraram um jeito de resistirem e ultrapassarem a parede lodosa que me cercava na infância, chamada "timidez". Foram em busca de algo mais forte e corajoso: encontraram as atitudes. Um acordo foi velado no subconsciente... E no dia, eu pude dizer que gostava de você de alguma forma.

Foi o fatídico dia do bombom. Eu tinha um exemplar no bolso do moletom e esperava o momento certo para o colocar em sua carteira. Era para ser um presente anônimo, como a sua presença neste relato. Mas, os amigos são péssimos às vezes. E o anonimato se deflagrou em mil olhares e centenas de risadinhas constrangedoras quando o anjo da mortificação anunciou: "ela tem um presente pra você!" em alto e bom som no meio da sala de aula. Juro, caro anônimo, que eu não poderia ter ultrapassado o vermelho das maçãs de Éden de forma mais eficaz do que naquele dia. Mas, depois do fundo do poço, você só pode olhar para cima... E quando olhei, a luz que emanava da superfície era aquele seu sorriso pronto para me agradecer.

Se eu desconfiava que você sabia que eu te amava, naquele dia, e para o resto dos outros dias nos quais dividimos a sala de aula, era certeza. Ao contrário do que eu esperava, você passou a olhar para mim desde aquele dia: não mais como a menina que poderia te ajudar em momentos de desespero cognitivo, mas como a única que te enxergava diferente no meio das outras trinta e tantas pessoas que habitavam o mesmo colégio do pretérito imperfeito. Você passou a corar a me ver, caro anônimo. Você, a Lua que conseguiu conquistar a Terra, mesmo tão próxima ao Sol.

Mas, eu não dei os motivos pelos quais eu amava você naquela época. Além de seu sorriso, a gentileza que tinha ao lidar com seus amigos e, principalmente, com os estranhos me encantava. Os seus cabelos encaracolados também: mais um ponto para você, por definir padrões intrínsecos às veias e artérias do meu miocárdio que se estenderiam até os dias de hoje. Entretanto, se você me pedir mais motivos pelos quais eu gostava de você, peço perdão por não atender aos seus anseios. Eu era apenas uma criança: eu também amaria você por motivos bem menos subjetivos como se você me trouxesse um chocolate por dia, todos os dias da semana.

Não fique triste, caro anônimo. Você foi realmente importante para mim: o que os sentimentalistas e roteiristas de comédia romântica barata para televisão chamam de "primeiro amor". Você fez meu coração pulsar em um ritmo diferente do que eu estava acostumada; você me fez chorar lágrimas amargas também quando percebi que não corresponderia aos meus sentimentos por você; e me fez cantarolar no banho por uma semana quando deu o ar da graça em minha festa de aniversário de onze anos. Por todos esses momentos, obrigada, caro anônimo.

Mas, sabe, você se cristalizou no tempo. Você se tornou um daqueles personagens de livro que a gente pensa que conhece bem, e que vai amar para sempre apenas porque fez parte de nossa infância, mas que quando os revisitamos, se tornam simples demais as nossas mentalidades adultas. Você se tornou o Mickey na minha extensa biblioteca de memórias e recordações. Por isso, caro anônimo, não se preocupe em me aceitar no Facebook como amiga. Aquela tímida garota dos óculos verdes já não existe mais.
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Sentada no sofá.

Cheiro de pinho e café no ar incandescente.

Suspense em notas a la Hitchcock.

Um sorriso refletido no caco de um espelho quebrado.

A reflexão de mil sorrisos em mil olhares de mil espaços siderais.

Ele refletia também um pedaço solto de tule rosa.

Sonhos inspirados em Tchaikowsky.

Uma tarde cinza de inverno despontava lá fora.
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Na parede branca de mármore, havia um botão piscando em vermelho. Acima dele, uma seta indicava o caminho do teto, gigante em abóboda, feito de vidro, seguro por estruturas de ferro pintados de preto. Mal-pintados. A cor prateada do ferro original já era visível através de grandes lascas de tinta perdida.

O outro adorno do botão, mais uma seta, indicava o caminho do chão. Ele era feito do mesmo material das paredes que sustentavam o botão. Mármore branco, ostensivo, predatório. Não havia nenhuma mácula no chão em que ela pisava... Seus cabelos presos em um coque apertado não tinham mais a capacidade de desflorar-se no chão, lançando pequenas esporas feitas de queratina. Os seus sapatos também não tinham deixado nenhuma pegada: sua presença ali, como talvez as de várias outras pessoas que chegaram naquele lugar, não era marcada no tempo.

O botão acionava um elevador.

Assim que ela se aproximou da portinhola que o guardava, o elevador abriu-se automaticamente, revelando-lhe um interior tão branco quanto a sala em que estava.

Ela entrou.

O elevador não tinha música ambiente. Apenas o som das engrenagens que o levavam para cima, para cima, para cima. Ainda sim, para cima. O elevador parecia que percorria o espaço entre o céu e a terra. Ficaria ele nas costas do gigante Atlas? A extensão do caminho lhe parecia que sim, mas sabia que era um pensamento absurdo. Chegaria ao destino pretendido - qual era mesmo? - há tempo. Porém, o elevador não parava de a conduzir para cima, para cima, para cima.

De repente, assim como ele surgiu em sua visão, o elevador parou. As portas se abriram e ela se viu dentro de um corredor.

Lá não haviam paredes. Era apenas o chão, de assoalho cinza, e grades de contenção feitas do mesmo ferro que cobria o teto abobadado da primeira estação. A ela, parecia que estava em lugar completamente diferente: tinha a sensação de estar em um hospital abandonado. Um manicômio.

A sua frente, despontava outro botão, outra luz vermelha. Mais um elevador.

Ela sabia que tinha que entrar nele. Entrou.

O elevador era igual ao outro. Mas, uma coisa nele era diferente, não só do outro elevador, quanto de todos os elevadores nos quais ela já tinha viajado. Ao invés de levá-la para cima, ou para baixo, ele a conduziu para as laterais. Assim, ela foi para a esquerda, o peso de seu corpo não conseguindo a sustentar de pé como em um elevador normal. O empuxo a empurrou também para a esquerda, aonde percebeu que pairava uma cordinha de couro no ar a fim de que ela se segurasse durante o trajeto, o que ela fez. 

Dessa vez, a viagem durou menos tempo. Em contagem de raio (um, mississipi; dois, mississipi), ela calculou uma distância de dois minutos. O elevador se abriu, ela saiu e estava em uma antessala comum de escritórios multinacionais.

A situação se repetiu. Mas, dessa vez, ela desceu.

A situação se repetiu. Mas, dessa vez, ela subiu.

A situação se repetiu. Mas, dessa vez, ela foi para o lado direito, acompanhada por um homem rechonchudo e de óculos, que olhava para uma pasta abarrotada de papéis de carta dos anos 1990.

E, a situação se repetiu, se repetiu, se repetiu. Exaustivamente, ela entrava em um elevador, viajava por alguns minutos, saía e se via em uma antessala, corredor, sala, espaço aberto, o qual guardava outro elevador para um novo trajeto.

Se via alguém, ela perguntava a pessoa aonde estavam indo. Mas, assim como ela, ninguém conseguia lhe responder o que estava acontecendo. Para que tantos elevadores? Para que, se eles não levavam a lugar algum?

Tinha vezes em que ela nem saía do elevador. Ela só trocava de um elevador para outro, como em uma estação de metrô. Às vezes, os elevadores eram feitos de vidro, que a permitiam ver o lado de fora: um lugar coberto de vegetação e prédios, que não a confortavam sobremaneira, mesmo que se parecesse tanto com a sua cidade natal.

Os elevadores eram infinitos. O espaço que ela percorria com eles também.

Porém, quando chegou o momento de entrar em mais um daqueles elevadores brancos, como os do início de sua viagem, ela sentiu que sua mente a puxava de volta, com força, para algum lugar. Parecia um elástico estendido que retornava ao seu ponto de partida... E então, ela abriu os olhos.

O sol lançava pequenos raios através dos espaços descobertos da janela. Era o início de um novo dia.
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tea cup gif | Tumblr


O chá era eternamente quente. 

Eterno como ele, parado à porta com um fedora negro como céu sem estrelas em suas mãos.

Saía fumaça de lá.

Ele lhe ofereceu o líquido fumegante com um sorriso de alegrias borradas.

"Tome. Você irá deixar neste mundo as lembranças dele".

Ela tomou. Se esqueceu.

Esqueceu do quê? Não daquele que lhe oferecera o chá certamente.

Viu que os olhos dele vertiam em lágrimas amargas...

Mas, o chá era tão doce.



(conto baseado no dorama "Goblin", produzido pela tvN e disponibilizado, no Brasil, pelo Viki)
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When the Weather is fine | Wiki | • Doramas Brasil • Amino
fonte: Amino

o seu coração congelado não batia no ritmo de um relógio. não. suas batidas eram suaves como as ondas quebrando na orla da praia, felizes pelo encontro com sua amante e com a possibilidade de beijá-la sem nenhum impedimento. o seu coração batia assim: medroso com a felicidade que se anunciava, pois não queria criar expectativas sobre sua inexorável finitude. era um coração congelado portanto.

em meio ao caos de amor em que ele vivia, já não podia mais discernir felicidade real com a imaginária. todos elas formavam uma mesma massa bolorenta que não permitia desassociação. por isso, ele repetia, mentalmente, o mantra que criara para si mesmo na época de colégio: viver um dia de cada vez. e ainda outro, que anunciava: o mais importante da vida é comer, dormir e trabalhar - se todas essas etapas forem cumpridas no dia, esse será um dia feliz.

assim, ele passava seus dias. cercado por livros de capas brilhantes, de autores brilhantes - e outros, nem tão solares assim - ele sorria com a simples preparação de um café. a borra, que já exalava aromas fantásticos sem nenhuma água para aquecê-la, era posta em um coador de papel, após uma modesta rega deste. ele, então, entornava a água fumegante. era a criação em seu mais puro sentido. adoçava? só se o cliente pedia...

mas, que cliente aparecia por ali? dois ou três no máximo. por semana. e ele ocupava sua mente com a produção de um blog muito parecido com este, mas que permitia uma liberdade sentimental muito maior.

porém, nada disso importava. não importava o quão aconchegante era o espaço em que estava, com sua atmosfera de comédia romântica natalina, o cheiro de livro e café se misturando no ar. não importava que, quando ele voltasse para casa, encontrasse uma família barulhenta e amorosa, pronta para enchê-lo de tapas ou de beijos (ninguém nunca apurou qual era o mais carinhoso entre os dois). não importava que todos na cidade o conhecesse e o tratasse como um deles.

porque ele, de fato, não era.

ele era o filho do lobo cinza que morava nas montanhas da floresta. ele tinha a sobrancelha prateada dele sobre os olhos que o permitia enxergar a verdadeira natureza de quem o cercava. ele brincava com besouros-rinoceronte e conhecia cada reentrância das montanhas como as linhas em M da sua palma da mão.

ele era um espírito livre, selvagem.

mas, como um espírito desses poderia ter seu coração congelado? como, se ele acordava com o sol todas as manhãs e inalava sua energia revigorante todas as tardes? ninguém sabe ao todo... alguns dizem que seu coração se congelou quando o lobo que o guiava sumiu. outros, quando aquela que iluminava seus olhos como centelhas da clareira de outono, foi embora sem aceitar o seu besouro-rinoceronte. entretanto, os mais perspicazes dizem que foi quando ele olhou pela primeira vez para aqueles que o acolheram em um dia de chuva: com medo de que tivessem o mesmo destino do lobo, ele reteve o seu amor no mais fundo quarto do miocárdio. e, com tanto espaços vazios de uma só vez, seu coração não acostumado aos invernos rigorosos do vilarejo, entregou-se ao gelo.

mas, será que para sempre?

talvez não. porque aquela que o olhava como todos os outros, mas para quem ele olhava de forma diferente desde seu primeiro encontro, tornou a vê-lo diferente após uma longuíssima viagem a capital. com suas malas abarrotadas de insegurança, e sem seu celular, ela voltara com a esperança de recomeçar. ele a viu do alto da colina enevada. e percebeu que seu sorriso brilhava de forma distinta para ele, só para ele, quando as luzes voltaram a pisca-piscar em amarelo na meia-noite dos reencontros oficiais.

ela o amava afinal?

ela disse que sim em um sussurro. ele não conseguiu dizer nada.

mas, as montanhas não deixariam seu filho desamparado em momentos tão cruciais quanto esse. insuflou seu coração de vida com uma brisa leve de inverno a embaraçar seus cabelos. permitiu que ele criasse expectativas pela breve duração de minutos. ele retribuiu (ou confessou?) o amor que ela sentia por aquele que deu aconchego e calor ao seu coração.

e, então, o coração dele queimou. o tiquetaquear ritmado que se podia ouvir saindo dele naquele momento era retumbante.
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* esse conto foi inspirado no dorama "When the Weather is Fine" da JTBC, disponível, no Brasil, pelo site Viki.
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A menina olhou para o céu - ele era azul. O que mais ela poderia esperar de um céu de abril?

Então, ela olhou para o chão - ele era marrom. O que mais ela poderia esperar de um chão de terra batido, um fragmento inconsistente do passado no meio da cidade grande?

Mas, seus olhos viram um brilho. Ela decidiu segui-lo... Aonde um brilho dourado, cintilando como dúzias de vaga-lumes pisca-pisca, poderia levá-la? Aquilo não era comum... Seu senso de curiosidade apurado em doze anos ficou em alerta.

O brilho subiu e desceu quando se viu observado, porém, resolveu que seguiria seu plano original. O plano? Subir o muro, atravessá-lo e chegar até a floresta que despontava de detrás da casa da menina. O muro tinha um buraquinho, viu por vim o brilho corajoso. Pra que pular um muro então?

Mas, a menina precisou pular o muro para conseguir seguir o brilho... Que esforço exagerado por causa de uma coisinha que não tinha nem cinco centímetros de diâmetro! Só que a curiosidade era maior do que sua própria fadiga e ela pulou o muro, correndo pela trilha que levava dos fundos da sua casa até a floresta. Uma toca de coelho ultrapassada aqui, um montinho de folhas secas espalhado ali. Galhos se quebravam aos seus pés.

O brilho chegou à floresta ao mesmo tempo em que a menina o alcançou. E, então, o brilho ficou mais forte, mais poderoso e tomou conta do campo de visão da menina: ele cresceu, cresceu e já não era brilho mais. Era uma outra menina de cabelos ruivos encaracolados e nariz arrebitado. Só que ela tinha algo a mais do que sua perseguidora: duas asas brilhantes e lindas, que a retirava do mundo real e a fazia fada.

"Olá, obrigada por me ajudar a encontrar minha casa", disse a fada à menina de boca aberta. "De nada", foi tudo o que ela conseguiu responder. A fada sorriu e tocou a testa da menina.

Então, ela acordou em sua cama. Eram sete horas, segunda-feira, 23 graus Celsius na rua. Levantou um pouco tonta e olhou pela janela: cadê a floresta que havia ali?
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Bonjour, meu nome é Bruna. Sou uma ratinha de biblioteca, adoro fotografar a natureza, andar por ruas desconhecidas e escrever tudo o que me vem a cabeça. Obrigada por visitar o meu jardim. Abra seus olhos e amplie sua imaginação. Talvez você precise bastante por aqui.

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