a casa abandonada

by - outubro 22, 2021


A água que vinha do teto batia ruidosamente no chão. Lá se formava um espelho d'água meio bolorento, o limo verde crescia por entre as tábuas de madeira carcomidas pelo tempo. Em um ribombar aquoso, a goteira passava por entre as vigas que compunham a estrutura do segundo andar da casa. Deste ambiente outrora luminoso e feliz, sobrara apenas um palanque de madeira - tão carcomido e cheio de fiapos quanto o chão de baixo - e algumas peças de roupa que haviam servido de banquete às traças, logo na primeira semana de abandono da casa. Se o leitor a tivesse conhecido antes, quando, em seu auge de casa principal da rua, o barulho de festa e felicidade saía de seus poros; ele veria o quão bela era a porta da entrada principal, pintada de verde musgo, em contraste com o branco alcalino das paredes. Ele veria, também, o esmero dos donos em cultivar pequenas jardineiras nos parapeitos das janelas; e veria, com um sorriso bobo no rosto, que a casa era um tanto pequenina se comparada à imensa árvore que semiobstruía a entrada da garagem. Mas, agora, a casa era apenas um borrão triste de sua própria primavera. Abandonada à própria sorte, os degraus, que levavam o visitante até a porta da frente, haviam se desfeito em cupins gordos. Teias de aranha interligavam as paredes internas da sala, tobogãs sinistros de Viúva. A cozinha já não exalava mais aromas de biscoitos de mel e limão; tudo o que se poderia sentir era o cheiro rançoso de baratas sendo devoradas por formigas insensíveis. E os quartos, três no andar de cima mais um banheiro, tiveram seu curto reinado arruinado por ratos magrelos de pelo de algodão. Quão satisfatório era quando eles guardavam sonhos e choros em suas quatro paredes... Os sonhos de promoção no trabalho da mãe. Os choros de filmes comoventes do pai. Os sonhos e choros das duas irmãs, unidas pelo nascimento na mesma data, desunidas por o lugar de atriz principal no teatro da escola. Na casa inteira, eram os quartos que mais sentiam saudade de quando o céu não era cinza. Tão tristes eles se sentiam que, nas noites estreladas, eles choravam baixinho e a casa rangia, estalava e permitia que o vento frio entrasse em seus aposentos com o som de vultos espectrais. Mas, ó, o que seria isso? Uma forma estranha passara correndo pelo corredor! Eram sons de passos que se ouvia? Os cacos de vidro - sobras dos espelhos dourados que ali enfeitavam - que estavam espalhados pelo chão, porém, não sentiam o peso de alguém os quebrando. E o que dizer do bruxulear que vinha da sala? A casa sentia que estava viva novamente! Podia sentir o aroma de lavanda do perfume que a sua dona usava... E ouvir um som. Vozes distorcidas conversando na sala. O diálogo complexo de seres imateriais.

Você também pode gostar de

0 comentários