Retratos de um sonho recorrente: Elevadores

by - julho 27, 2020


Na parede branca de mármore, havia um botão piscando em vermelho. Acima dele, uma seta indicava o caminho do teto, gigante em abóboda, feito de vidro, seguro por estruturas de ferro pintados de preto. Mal-pintados. A cor prateada do ferro original já era visível através de grandes lascas de tinta perdida.

O outro adorno do botão, mais uma seta, indicava o caminho do chão. Ele era feito do mesmo material das paredes que sustentavam o botão. Mármore branco, ostensivo, predatório. Não havia nenhuma mácula no chão em que ela pisava... Seus cabelos presos em um coque apertado não tinham mais a capacidade de desflorar-se no chão, lançando pequenas esporas feitas de queratina. Os seus sapatos também não tinham deixado nenhuma pegada: sua presença ali, como talvez as de várias outras pessoas que chegaram naquele lugar, não era marcada no tempo.

O botão acionava um elevador.

Assim que ela se aproximou da portinhola que o guardava, o elevador abriu-se automaticamente, revelando-lhe um interior tão branco quanto a sala em que estava.

Ela entrou.

O elevador não tinha música ambiente. Apenas o som das engrenagens que o levavam para cima, para cima, para cima. Ainda sim, para cima. O elevador parecia que percorria o espaço entre o céu e a terra. Ficaria ele nas costas do gigante Atlas? A extensão do caminho lhe parecia que sim, mas sabia que era um pensamento absurdo. Chegaria ao destino pretendido - qual era mesmo? - há tempo. Porém, o elevador não parava de a conduzir para cima, para cima, para cima.

De repente, assim como ele surgiu em sua visão, o elevador parou. As portas se abriram e ela se viu dentro de um corredor.

Lá não haviam paredes. Era apenas o chão, de assoalho cinza, e grades de contenção feitas do mesmo ferro que cobria o teto abobadado da primeira estação. A ela, parecia que estava em lugar completamente diferente: tinha a sensação de estar em um hospital abandonado. Um manicômio.

A sua frente, despontava outro botão, outra luz vermelha. Mais um elevador.

Ela sabia que tinha que entrar nele. Entrou.

O elevador era igual ao outro. Mas, uma coisa nele era diferente, não só do outro elevador, quanto de todos os elevadores nos quais ela já tinha viajado. Ao invés de levá-la para cima, ou para baixo, ele a conduziu para as laterais. Assim, ela foi para a esquerda, o peso de seu corpo não conseguindo a sustentar de pé como em um elevador normal. O empuxo a empurrou também para a esquerda, aonde percebeu que pairava uma cordinha de couro no ar a fim de que ela se segurasse durante o trajeto, o que ela fez. 

Dessa vez, a viagem durou menos tempo. Em contagem de raio (um, mississipi; dois, mississipi), ela calculou uma distância de dois minutos. O elevador se abriu, ela saiu e estava em uma antessala comum de escritórios multinacionais.

A situação se repetiu. Mas, dessa vez, ela desceu.

A situação se repetiu. Mas, dessa vez, ela subiu.

A situação se repetiu. Mas, dessa vez, ela foi para o lado direito, acompanhada por um homem rechonchudo e de óculos, que olhava para uma pasta abarrotada de papéis de carta dos anos 1990.

E, a situação se repetiu, se repetiu, se repetiu. Exaustivamente, ela entrava em um elevador, viajava por alguns minutos, saía e se via em uma antessala, corredor, sala, espaço aberto, o qual guardava outro elevador para um novo trajeto.

Se via alguém, ela perguntava a pessoa aonde estavam indo. Mas, assim como ela, ninguém conseguia lhe responder o que estava acontecendo. Para que tantos elevadores? Para que, se eles não levavam a lugar algum?

Tinha vezes em que ela nem saía do elevador. Ela só trocava de um elevador para outro, como em uma estação de metrô. Às vezes, os elevadores eram feitos de vidro, que a permitiam ver o lado de fora: um lugar coberto de vegetação e prédios, que não a confortavam sobremaneira, mesmo que se parecesse tanto com a sua cidade natal.

Os elevadores eram infinitos. O espaço que ela percorria com eles também.

Porém, quando chegou o momento de entrar em mais um daqueles elevadores brancos, como os do início de sua viagem, ela sentiu que sua mente a puxava de volta, com força, para algum lugar. Parecia um elástico estendido que retornava ao seu ponto de partida... E então, ela abriu os olhos.

O sol lançava pequenos raios através dos espaços descobertos da janela. Era o início de um novo dia.

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