Há algo na chuva que não podemos explicar

by - maio 11, 2021

 

A água refletia em tons de vermelho. Ao longe, o rádio de um estabelecimento qualquer ampliava uma voz melodiosa que bradava o outono. "Cause after all he's just a man..." As luzes acesas da rua eram amareladas, assim como o sorriso que ela lançava para o restaurante do qual saía. Um homem a olhava de dentro com um misto de felicidade contida e ciúme doentio. Ele acenou para ela, clamando para que o esperasse só por um minuto. O ar rescindia a terra molhada e castanhas caramelizadas. Os pés dela, envoltos por uma bota cor de musgo, começaram a ficar encharcados pela água de chuva que se acumulava, em poças luminosas, pela calçada. Se alguém a olhasse naquele momento, talvez, ficaria em dúvida se o que escorria pelo seu rosto pálido era a água que caía do céu ou a que saía de seus olhos. Um casal passou ao seu lado dando risadinhas. O sino de entrada do restaurante tiniu. O homem a segurou pelo pulso. Ela olhou para cima, seus olhos tristes refletindo a súplica vazia que ele fazia a ela. O homem elevou o tom de voz, tons roucos de fragilidade que ela não compreendia mais. Porém, ele não largava o seu pulso. Três vezes o semáforo da avenida permitiu a passagem de pedestres. O rádio já tocava outra coisa, uma balada que a lembrava dos filmes de John Hughes que costumava assistir com a melhor amiga. Ela tentava se concentrar no que o cantor falava para se desconectar do pedido que o rapaz fazia: voltar o namoro dos dois não era uma opção. Relembrando a cena, ela não conseguiria dizer quando tudo se transformou. Em um momento, ela sentia seu braço queimar de dor e os ouvidos estalarem por causa dos gritos que o homem dava, o rosto ficar quente pelos olhares ansiosos que sentia virem de alguns transeuntes. Em outro, ela era abraçada de forma carinhosa por alguém que cheirava a café, tinta-nanquim e felicidade. Sem saber como reagir, ela olhou para cima. Lá estava ele, seu sorriso espaçoso que fazia com que seus olhos virassem apenas dois riscos, abraçando-a como se ela fosse o objeto mais precioso do mundo. As suas lágrimas angustiadas, aos poucos, viravam lágrimas de alívio. De repente, ela sentiu que algo a cobria. Ele segurava um guarda-chuva vermelho com a mão livre. Enquanto seguia com ele pela rua movimentada, à espera que o semáforo ficasse verde para que pudessem seguir, ela ouviu as últimas palavras da canção que morria a soluços lentos no rádio. "Please don't forget who's taking you home/ And in whose arms you're gonna be/ Please darling, save the last dance for me". - Conto inspirado no kdrama Something in the Rain, disponível na Netflix

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