*aviso de gatilho Mesmo na rua escura, ele chamava por ela. Olhos vidrados, o gato laranja que atormentava os ratos da rua jazia no chão. O cheiro da putrefação de seu gordo corpo estacionava no ar gelado. Se antes, os ratos bolorentos o temiam, agora, eles faziam a festa em sua ferida mais exposta. Fora morto dois dias antes com veneno, a sua sétima vida levada ao sabor de latas de atum e serenatas ao luar, sempre tranquilo, sempre arisco, sempre antenado. Mas, agora, ele era apenas uma massa disforme em meio ao caos da viela escura. Ao passar pelo gato, Antônio cobriu o nariz com um gesto de desaprovação. Suas roupas largas denunciavam a vida difícil que levava: a vida de um escritor em crise. Os óculos de aro redondo escondiam, porém, grande parte da beleza que lhe era natural. Olhos amendoados herdados do pai, mas com a diferença de os de Antônio, vermelhos e irritadiços, não conseguirem focar em um objeto por um tempo maior do que cinco segundos. Os cabelos lisos seriam inesperadamente sedosos se, contudo, Antônio não os mantivesse sempre cortados à régua, máquina 2. E os suspensórios, guardiões de calças de algodão cru tingidas de carmim, eram o destaque óbvio do conjunto visual que ele formava. Escritor, poeta, Antônio tinha um perfil de artista comum à boemia paulistana. Seguro de si, mesmo que a boca tremulasse pelo efeito das bebedeiras noturnas, seus olhos desfocados mantinham o ar de inflamada superioridade quando conversava com seus companheiros. De espírito leve e jovem, Antônio tinha o seu pequeno séquito de seguidores, todos aspirantes às Letras, assim como ele, porém, com bem menos talento. Porque se, para alguns, Antônio não passava de um burguês padrão de vida fácil e Europa nas férias; era inegável, todavia, que Antônio era talentoso. Seus textos tinham aquela vírgula incomum de sagacidade gentil, natural de mentes únicas e que ainda possuíam o frescor da juventude em suas almas. Assim, Antônio virou figura recorrente em saraus e concursos de escrita organizados por sua universidade. Mas, nada que ele fizesse poderia anular a sina que ele carregava: Antônio era um escritor. Suas roupas cheiravam a caneta-tinteiro. Sua dor se conspurcava apenas pelas palavras que a sua mente disparava em um datilografar ensandecido. E sua vida girava ao redor de histórias inacabadas, personagens traiçoeiros e cenários vazios de espírito. Até que, um dia, Antônio amou pela primeira vez. Apaixonou-se por um par de olhos verdes que tinha um excelente gosto musical. Entre bailes, cafés, parques e bibliotecas, seu namoro durou nove meses inteiros. O olhar de Antônio se tornara ainda mais desfocado, conectando-se apenas com os olhos verdes que escondiam em si a preciosidade do universo. Mas, então, os olhos verdes tornaram-se constantemente inundados. E a pequena boca que os acompanhava, pálida e ressecada, só ganhava tons de carmim quando o sangue que saía de seus pulmões lhe jorrava. E, então, vítreos, como os olhos do gato que Antônio olhara com asco anteriormente, se tornaram os olhos de sua amada. A rua estava escura, mais um dia sem Lua na capital. Mas, Antônio não se importava com a ausência de algo que já não existia mais em sua vida. Todo o potencial de seu futuro brilhante se esvaíra junto com o sangue que manchava os lenços bordados de sua amada. Antônio, antes um escritor, agora já não percebia se algum título ainda tinha forças para definir o resto de vida que ainda, teimosamente, carregava no peito. Sua mão direita tremia. Nela, uma caneta-tinteiro. Em sua ponta afiada, borbulhava um resto de tinta preta que Antônio usara para escrever seu romance de despedida. Agora, ele seria um autor de verdade: uma obra póstuma no currículo. Antônio sorriu, procurando um fiapo de estrela que pudesse haver se perdido no céu de chumbo. Era o capítulo final, ele sabia. Afundo a caneta em seu pescoço, abafando quaisquer últimas palavras que pudesse pronunciar. Seu corpo bateu com um baque surdo no chão de paralelepípedos da viela. Os olhos nunca mais poderiam aprender a focar. Naquela rua escura, Antônio e o gato se tornaram irmãos na tragédia. E a chuva purificava os sinais de solidão.
A água que vinha do teto batia ruidosamente no chão. Lá se formava um espelho d'água meio bolorento, o limo verde crescia por entre as tábuas de madeira carcomidas pelo tempo. Em um ribombar aquoso, a goteira passava por entre as vigas que compunham a estrutura do segundo andar da casa. Deste ambiente outrora luminoso e feliz, sobrara apenas um palanque de madeira - tão carcomido e cheio de fiapos quanto o chão de baixo - e algumas peças de roupa que haviam servido de banquete às traças, logo na primeira semana de abandono da casa. Se o leitor a tivesse conhecido antes, quando, em seu auge de casa principal da rua, o barulho de festa e felicidade saía de seus poros; ele veria o quão bela era a porta da entrada principal, pintada de verde musgo, em contraste com o branco alcalino das paredes. Ele veria, também, o esmero dos donos em cultivar pequenas jardineiras nos parapeitos das janelas; e veria, com um sorriso bobo no rosto, que a casa era um tanto pequenina se comparada à imensa árvore que semiobstruía a entrada da garagem. Mas, agora, a casa era apenas um borrão triste de sua própria primavera. Abandonada à própria sorte, os degraus, que levavam o visitante até a porta da frente, haviam se desfeito em cupins gordos. Teias de aranha interligavam as paredes internas da sala, tobogãs sinistros de Viúva. A cozinha já não exalava mais aromas de biscoitos de mel e limão; tudo o que se poderia sentir era o cheiro rançoso de baratas sendo devoradas por formigas insensíveis. E os quartos, três no andar de cima mais um banheiro, tiveram seu curto reinado arruinado por ratos magrelos de pelo de algodão. Quão satisfatório era quando eles guardavam sonhos e choros em suas quatro paredes... Os sonhos de promoção no trabalho da mãe. Os choros de filmes comoventes do pai. Os sonhos e choros das duas irmãs, unidas pelo nascimento na mesma data, desunidas por o lugar de atriz principal no teatro da escola. Na casa inteira, eram os quartos que mais sentiam saudade de quando o céu não era cinza. Tão tristes eles se sentiam que, nas noites estreladas, eles choravam baixinho e a casa rangia, estalava e permitia que o vento frio entrasse em seus aposentos com o som de vultos espectrais. Mas, ó, o que seria isso? Uma forma estranha passara correndo pelo corredor! Eram sons de passos que se ouvia? Os cacos de vidro - sobras dos espelhos dourados que ali enfeitavam - que estavam espalhados pelo chão, porém, não sentiam o peso de alguém os quebrando. E o que dizer do bruxulear que vinha da sala? A casa sentia que estava viva novamente! Podia sentir o aroma de lavanda do perfume que a sua dona usava... E ouvir um som. Vozes distorcidas conversando na sala. O diálogo complexo de seres imateriais.
Outubro é um dos meus meses preferidos do ano. Aliás, gosto de todos aqueles que trazem consigo comemorações especiais, celebradas em meio a filmes, livros e decorações que você só encontrará naquele momento. Fevereiro é assim, trazendo o Carnaval; abril, com a Páscoa; dezembro e o seu Natal. E o outubro, timidamente e de forma forasteira, transformou um mês comum para a cultura brasileira em um mês de alta demanda por máscaras horripilantes na 25 de Março, programações televisivas com a ressuscitação de filmes B de terror dos anos 1990, e um TikTok repleto de vídeos com dicas de maquiagem artística. Outubro trouxe consigo o Dia das Bruxas. Para os íntimos, Halloween; para os ufanistas, Dia do Saci; o que importa é que Outubro se tornou o mês da celebração de tudo o que é assustador, creepy, gore, slasher. E, claro, não conseguiria ficar de fora dessa onda: eu adoro o Halloween! E estou muito contente que, neste ano, apesar de toda a situação pela qual estamos passando, sinto que estou comemorando o Halloween de uma forma mais intensa. De fato, sinto o sangue gore correndo quente pelas minhas veias! Hahahaha. Por isso, quis compartilhar com vocês por aqui as atualizações do meu mês "Outubro do Terror". Também aproveito para deixar a sugestão de vocês compartilharem as suas comemorações de Halloween comigo lá nos comentários! Vou adorar ler o que vocês estão fazendo e, quem sabe, não tento algumas coisinhas e posto por aqui (ou lá no Instagram do blog @apequenaratinha)? :)
- Na quinta-feira que vem, conversarei com a minha amiga de forma online e a gente vai fazer uma Halloween Radio para comemorar. Ou seja, tenho que procurar algumas músicas horripilantes para compartilhar com ela. Estou me esforçando, mas está difícil hehe. Vocês conhecem alguma música de terror?
E é isso, pessoal. O mês de outubro está indo de vento em popa, não? Não esquece de compartilhar comigo a sua agenda de Halloween também :) Beijos açucarados e au revoir.
Cinza chumbo, o firmamento sangra em cores transparentes. O ar espalha aromas de gordura e cominho. Unhas tingidas de vermelho, conversas vazias de baby boomers, ansiedade trabalhando em 120 km/h. É sexta-feira, o dia da deusa-mãe Frigga. Por entre linhas coloridas, ele espreita. É dia primeiro e ele já espreita... Voraz, sadio, nostálgico, sorrateiro; com quantas páginas, neste ano, ele será feito? Espreitando, em tom baixo, sussurrado, está o medo. Chegou outubro. E ela sabe das suas inspirações de escrita: o primeiro ocupante da cadeira 36. - - - - - - bem-vindo, outubro. vamos a mais um mês de terror no blog? neste ano, eu preciso da ajuda de vocês! vocês poderiam compartilhar comigo um tema para que eu desenvolva um conto de terror? eu vou adorar ler as sugestões de vocês! beijos.