Contos terroríficos da Pequena Rata: Número 2

by - outubro 15, 2019

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O cheiro que mais se sentia naquele ambiente era o de Formol. Seus olhos estavam fechados, mas ela sentia aquele cheiro ardido, mórbido e inebriante na sala. Pelo menos, imaginava que estava em uma sala, pois sentia o ar viciado e uma luz branca direcionada, o que indicava lâmpadas retangulares acima dela. Não havia janela naquela sala, então.

Qual era sua última lembrança?

Passos. Um par de sapatos de salto alto e bico fino, outro, de tênis de corrida com amortecedor em gel. Seus olhos estavam fechados, mas ela ouvia que a pessoa que usava os saltos era alta demais, o que desequilibrava seu eixo corporal para a frente, tornando o toque de seu salto fino mais leve do que o esperado. Sabia também que a pessoa que usava o tênis tinha problemas graves de coluna, talvez uma escoliose.

Qual era sua última lembrança? Uma dor de cabeça, uma pressão no peito…

De repente, a porta se abriu. O par entrou na sala, trazendo a ela novas sensações. Seus olhos não conseguiam se abrir… Por que? Dois perfumes: um leve odor de frutas cítricas. Um forte cheiro de almíscar. Isso significava que a dupla era um casal: um homem e uma mulher. A mulher era a dos tênis acolchoados por gel sem dúvida nenhuma, pois o cheiro de frutas era o mais sentido por ela, mesmo que estivesse mais fraco. O homem estava usando os saltos, o que explicava mais sobre suas pontas estarem tocando o chão tão levemente - ele não conseguia se equilibrar direito, era a primeira vez que usava aquele tipo de calçado.

Qual era sua última lembrança? … escuridão. Cheiro de sangue fresco, mas que não era o seu. Um toque de mármore em seu pulso.

Ela está viva? - perguntou uma voz gutural. Era o homem de saltos. Ele se curvou sobre ela, os cabelos lisos roçando-lhe o colo. Ela queria espirrar com aquele cheiro enjoativo de almíscar, mas seu cérebro estava lento demais para comandar o seu nariz.

Acho que sim. O cheiro dela é morno e vejo algumas de suas veias pulsarem - respondeu a mulher, sua voz era tão melodiosa que poderia ser uma cantora famosa, se desejasse.

O cheiro era ainda morno… O que aquilo significava? Eles eram médicos talvez. Sim, sim, fazia sentido que o cheiro que sentia, o Formol, viesse dos vidros de conservação usados no estudo da medicina. Talvez, ela estivesse em um hospital universitário então.

Qual era sua última lembrança? A pressão das mãos marmorizadas era violenta em seus pulsos frágeis. O som que ouvia era constante, mas quase inaudível: um sonar…

Estava ficando mais relaxada. Apesar de seus olhos não se abrirem, sabia que estava segura, afinal, daqui a pouco sentiria uma agulha e então, o sedativo embaçaria sua mente e ela acordaria horas depois em uma poltrona confortável, rindo de toda aquela situação. Mas, os dois médicos estavam quietos demais. Ela conseguia ouvir mãos trabalhando furiosamente, conseguia sentir trocas de olhares entre os dois…

Qual era sua última lembrança? … um cheiro. Almíscar e laranjas misturados com maracujá. A pressão em seus pulsos era agoniante. Conseguia ouvir um som de risadas, vindas de uma voz melodiosa, e o calor de uma bruxuleante vela acima de seus olhos. A parafina escorria e selava-os. Ela gritou de dor…

Agora lembrava o motivo pelo qual não conseguia abrir seus olhos. Ela tentou passar a mão neles para saber se a parafina continuava lá. Suas mãos (os pulsos doíam, agora ela percebeu) conseguiram chegar a seus olhos. A parafina secara, permitindo que ela a retirasse para poder ver o que estava acontecendo.

Então, ela os viu. Seus médicos, o homem alto e a mulher com escoliose, vestiam roupas tradicionais de cirurgia verdes. Na frente de suas bocas, máscaras de proteção. Mas, o que mais chamava a atenção dela era a pele deles: branca demais. Ao redor dos olhos, duas olheiras profundas demais, quase pretas de tão arroxeadas.

Ela acordou! - gritou a mulher. Seus cabelos caíam do coque apertado que ela tinha feito antes.
Sim… Onde estou? - perguntou ela. - Podem me ajudar a sair daqui? Acho que um check up rápido é do que preciso, não uma cirurgia.

Bobagem… - disse o homem. Seus traços eram belos demais. Quase tão inebriantes quanto o cheiro de Formol que vinha, de onde comprovou, de frascos com insetos. - É claro que não faremos cirurgia nenhuma! Apenas um exame, você está machucada e precisamos fazer um ultrassom.

Ela suspirou aliviada. Um ultrassom.

Qual era sua última lembrança? Antes da parafina, viu o rosto de quem a tinha aprisionado. Era um dia de chuva, ela tropeçou na calçada, alguém a sedou… Um quarto escuro demais, grande demais. Uma luz se acendeu: um homem bonito demais. Seus traços eram tão perfeitos quanto qualquer quadro renascentista. Uma mulher de cabelos ruivos, presos em um coque apertado demais.

Ela gritou. E gritou mais alto em busca de socorro. Mas, ninguém parecia ouvi-la.

Calma. É só um ultrassom. Você está nervosa… demais. - sussurrou o homem, aproximando-se dela. Seu rosto se aproximava do dela.

Não fique com tudo! - disse a mulher com um sorriso sarcástico - Você sempre fica com a melhor parte, deixe um pouco para mim!

Qual era sua última lembrança? Barulhos de sirene fora da casa aonde estava. Então, a pancada na cabeça, o aperto no peito. O cheiro de Formol em suas narinas recém acordadas. Ela havia sido levada para aquele hospital que, pelas teias, estava abandonado.

Esse é o nosso banco de sangue - disse a mulher - Nosso estoque não pode acabar rápido, estamos em fase de crescimento.

Banco de sangue? Então, o homem beijou seu pescoço. Os lábios dele eram frios como o mármore. Ela sentiu tanto medo e, depois, não sentiu mais nada além das suas forças minando lentamente de suas veias. Ele a havia mordido com caninos compridos demais. A mulher, ao seu lado, dava leves cutucões em suas costelas, enquanto fuzilava o homem com os olhos para que ele não se demorasse.

O último fio de vida se desconectava dela. E, então, o escuro a tomou.

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3 comentários

  1. Tô bege, que criatividade, precisa dividir isto c o cinema, muito bom, 🧛‍♀️🧛‍♂️🧛‍♀️🧛‍♂️🧛‍♀️🧛‍♂️😬😬😬

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    1. Bonjour, miss mãe.

      Muito obrigada! Acho que daria uma cena pequeníssima no cinema, mas seria bem detalhada.

      Beijos açucarados

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