Manifesto Ecológico do Sagrado
Espíritos da floresta, erguei-vos.
Corpos desencontrados por árvores desnudas, encontrem-se por debaixo dos rijos cipós.
Encontrem-se na clareira já esquecida pelos nômades dos cedros.
Espíritos da floresta, uni-vos.
Guiai-vos pelo som dos festejos de grilos, som reco-recuado que acompanha os curumins.
Eles alertam para o amor: o mesmo que marcou aquela flor solar.
Guiai-vos pelas estrelas que mapeiam uma constelação de fenômenos espaciais lá do alto.
Elas que são as responsáveis por tragar tantas imaginações de poetas fracassados.
Ambos vos guiarão até o terreno, outrora assentado por pares de botas de couro amaciado.
Lá, terão que se unir. Lá, a chama sagrada reacenderá.
Vultos vazios se alumiam com a luz da pira.
São os espíritos da floresta que tateiam o ar para terem certeza de que podem retornar.
Para o lugar maculado por cheiros de nicotina e polietileno.
Ele já não fazia mais parte da mesma partícula cósmica que os moldava.
Vultos que se materializavam em roupagens florais, corpos de barro e madeira colados pela seiva.
Eles espreitam nos cantos preenchidos da clareira. Aguardam.
No centro, um círculo de brutas pedras preciosas fazem a guarda da chama ancestral.
Minúsculos pedaços de fuligem borboletam ao seu redor.
O cheiro que exala da fogueira é verdadeiro, é natural.
Os espíritos da floresta se uniram.
Espíritos da floresta, sagrados sois em volta do fogo que tudo consome e de onde tudo renasce.
Sentem-se, recolham-se, relaxem entre os seus que os cercam.
Sintam o solo que guarda o oxigênio, alimento das gigantes fábricas de vida que perfuram os céus.
Sintam a vibração no ar, guiando em pacotes sem direção o calor da chama a sua frente.
Espíritos da floresta, cantem.
Segurem na mão um do outro, formem um círculo em volta do círculo precioso do círculo sagrado.
É a chama que fará do ambiente uma fênix gloriosa.
A chama lambe o ar. A chama purifica a natureza do horríveis cheiros não naturais que lá jazem.
Não queima, apenas sobe, enrolada e esguia, atravessa a copa das árvores em direção ao coro de deuses que lá do alto vigiam a tudo.
Vigiam tudo. Vigiam os espíritos também.
E, então, os vestígios da presença dos seres não naturais vai embora.
O fogo definha, gorfando e tossindo exasperado. Morre.
Sorri, ó espíritos da floresta.
O ato final chegou tão rápido quanto o pensamento.
Mas, o que vocês irão pensar, ó espíritos?
O pensamento é humano. E eles já não existem mais no reinado daqueles que glorificam a Terra.
Amém.
* Eu fiz um pequeno vídeo para o Instagram do blog (@bloglapetitesouris) em que eu declamei esse conto. A inspiração para o visual veio do filme Princesa Mononoke, do estúdio Ghibli de animação, já que escondi vários kodamas no jardim da minha casa para a gravação, hihi. Espero que gostem.
Au revoir.
2 comentários
Oi, Bruna como vai? Que belíssimo texto. Muito inspirador. Parabéns!
ResponderExcluirAtt..
https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/
Bonjour, monsieur. Ça va?
ExcluirMuito obrigada. Esse é um texto que também me inspira, ainda mais nesse momento de reflexão sobre nossas prioridades em que estamos vivendo. Obrigada pela visita.
Au revoir