One page story challenge: to help a stranger make a decision
João contava os passos que dava na calçada de paralelepípedos. Ele já havia dado 145 desde a porta de sua casa, cor carmim e porta amarela na esquina da... bom, João é reservado e não queremos invadir a sua privacidade.
Seus pensamentos estavam longe dali. João queria identificar o tipo de bolor que havia consumido a parede do seu quarto, porque, assim, ele conseguiria combatê-lo de forma corretíssima. João era biólogo aliás, mas não micologista... Ele precisava de uma segunda opinião.
146, 147, 148.
João esbarrou em alguém. "Opa, desculpa". Mas, ele não recebeu uma resposta qualquer e sim, uma explosão de choro. "Eu te machuquei tanto assim? Ei, me desculpa". João teve que deixar de olhar para baixo e contar seus passos para olhar o seu interceptor. Era um homem com seus 56 anos, barba rala e um tufo majestoso de cabelo que coroava sua careca como uma coroa de louros romana. O seu nariz batatudo estava agressivamente vermelho e os olhos acompanhavam-no com elegante agonia. João não sabia mais o que fazer para se desculpar por ter esbarrado nele. Ou ter sido esbarrado.
O estranho tinha um choro cadenciado que parecia estar arrefecendo. Em seu ínfimo e majestoso último choro, uma fungadela tímida, o estranho olhou para João como que se desculpando.
"Você já viu o fim do oceano?", o estranho perguntou para João de uma forma mais estranha ainda. João estagnou com um olhar perplexo.
"Ahn. Não... Você já?". João sabia que era uma pergunta tola. Mas, o que fazer naquela situação?
"Eu já. Voltei de lá agora mesmo, do fim do oceano. Rapaz, lá é a coisa mais linda do mundo todo. Por isso estava chorando e não vi você cruzar o meu caminho... Desculpa, rapaz. Desculpa".
"Tá tudo bem". Mas, o estranho não saía da frente de João. Ele esperou: será que ele faria alguma coisa estranha? Era melhor correr dali?
"Tsc, você pode me ajudar a tomar uma decisão? É bem rapidinho. Eu saí de lá do fim do oceano e os habitantes do Mar Profundo me deram esses dois pedações de alga, completamente diferentes um do outro e que me deixam encafifado. Eles precisam que eu escolha só um... Qual você escolheria?"
João se retesou. Ele era péssimo em escolhas. Por isso, ele precisava de uma segunda opinião com o mofo destruidor de lares que preenchia as paredes de seu quarto. Mas, aquele homem não sairia dali se ele não o ajudasse, né?
As duas algas eram muito parecidas uma com a outra na verdade. A única diferença era que uma brilhava em azul e a outra, em verde fluorescente. Em seus anos de Biologia, João aprendera que coisas fluorescentes eram ruins na Natureza. Eram perigosas...
"A verde fluorescente, senhor".
"Ah, ah, muito obrigado! Rapaz, obrigado pela ajuda. Bom, deixe-me deixá-lo passar, ok? Obrigado, obrigado e desculpa".
João piscou duas vezes e seguiu o caminho até seus amigos biologistas. O mofo foi resolvido, porém sua consciência não. O que acontecera com ele? Porque quando saía, viu que o velho havia comido a alga com gosto...
Mas, o que era aquilo em seu aquário?
Um peixe novo? Cinza e de olhar brejeiro... Um peixe de olhar brejeiro?
"Rapaz, você me trouxe para o fim do oceano com aquela alga. Aqui é maravilhoso demais, obrigado".
João desmaiou.
0 comentários